domingo, 15 de novembro de 2009

Estelionato - Golpes Manjados

CORREIO BRAZILIENSE, 13/11/2001.

Não se deixe enrolar
Aprenda a se defender dos golpes cada vez mais criativos e modernos dos estelionatários no Distrito Federal
Da Redação
Arte: Kacio

Conto do bilhete premiado, do paco, clonagem de cartões de crédito. Alguns já estão na praça há muito tempo, outros avançam junto à tecnologia, mas todos são exemplos de golpes aplicados no Distrito Federal. Na maior parte dos casos, a ingenuidade e ambição das vítimas são as causas dos golpes. Mas crescem os crimes em que a pessoa sequer imagina como foi vítima de um estelionatário.
Em outubro passado, a aposentada Maria das Graças (nome fictício), 63 anos, voltava para casa depois de sacar sua aposentadoria em uma agência bancária quando viu no chão o que parecia ser um pacote de dinheiro. A senhora apanhou o pacotinho, cuja primeira nota era de R$ 50,00, e começou a procurar pelo possível dono do dinheiro. Foi quando apareceu um rapaz dizendo ter perdido a tal quantia. ‘‘Entreguei o dinheiro e ele agradeceu muito. Quando estava indo embora, disse que eu era uma pessoa bondosa e merecia uma recompensa’’, explica.
Foi quando se deu o golpe. O rapaz pediu que a aposentada o acompanhasse à agência, onde retiraria o tal prêmio. Com uma boa conversa, o criminoso envolveu a vítima, que sequer sentiu quando ele tirou de sua bolsa todo o pagamento de R$ 1,2 mil. Chegando ao banco, o rapaz sacou uma nota de R$ 50,00 e entregou a Maria das Graças, que seguiu satisfeita para casa. ‘‘Quando me dei conta de que havia sido roubada, ele já estava longe’’, relembra.
A delegada titular da 2ªDP (Asa Norte), Eneida Orbage, explica que é comum, ainda hoje em dia, as pessoas caírem nesse tipo de golpe. ‘‘Infelizmente acontece e as vítimas, nesses casos, normalmente são mulheres e idosos, pessoas de comportamento mais atencioso. Os homens têm perfil psicológico diferente, não costumam dar conversa para estranhos’’, ensina a delegada, que foi titular da Delegacia de Defraudações durante dois anos.
Apesar de golpes como esse serem comuns na cidade, os estelionatários estão quebrando a cabeça para inventar golpes cada vez mais sofisticados, evitando assim a desconfiança das vítimas. A clonagem, por exemplo, virou moda no DF e não se restringe mais aos cartões de crédito.
Celulares e cheques também engrossam a lista dos crimes. O roubo de celulares vem chamando a atenção da polícia. Só na 2ªDP foram registrados mil casos neste ano. Em uma das categorias do golpe, o falsário muda o número de série do aparelho roubado e o vende como se fosse novo. Os preços bem mais baratos do que os praticados no mercado atraem os compradores, normalmente por meio de anúncios em jornais. Tão fácil quanto o do celular é o golpe do carro. Na esperança de vender o veículo mais rapidamente, muitos deixam o bem consignado em agências especializadas, que depois de conseguirem um comprador e receberem o dinheiro, não o repassam para o dono. Para escapar da armadilha o proprietário deve ficar atento na hora de transferir o veículo. Só assine o DUT após receber o dinheiro. Em caso de cheque, depois de confirmada sua compensação.

CONHEÇA OS GOLPES MAIS COMUNS

Clonagem de cartões de crédito
A clonagem pode acontecer de três formas. Nas mais simples, o estelionatário pega o cartão magnético da vítima antes dela recebê-lo (em casa ou no banco) e faz uma cópia, ou o ladrão trabalha em algum estabelecimento comercial e faz a clonagem do cartão no ato da compra. A mais moderna, porém, é a clonagem do cartão no caixa eletrônico. É colocada uma fita especial na máquina que retém o cartão quando a vítima efetua o saque. Ele então se oferece para ajudá-lo e pede para que digite a senha, numa tentativa de fazer o cartão sair. Depois, aconselha a vítima a chamar um funcionário e, enquanto isso, retira o cartão, o clona e o recoloca no lugar.
Dica: Peça a cópia (com o papel carbono) com os dados do cartão de crédito. É sempre prudente rasgá-los. Fique atento para onde o funcionário do estabelecimento leva o cartão e, se possível, acompanhe-o.

Clonagem de celular
O estelionatário passa-se por funcionário da empresa de celular e liga para a vítima, pedindo para que ela digite um certo número no telefone. Com apenas essa ação, ele consegue clonar o número e a linha e passa a usá-la indiscriminadamente.
Dica: Verifique qualquer contato feito pela operadora do serviço de telefonia celular e compre sempre aparelhos em empresas credenciadas.
Golpe do falso gerente
O ladrão finge ser um funcionário do banco que quer diminuir as filas para o caixa. Ele então recolhe as guias de depósito e o dinheiro dos cliente para agilizar o atendimento. Depois, calmamente, vai embora do banco com o dinheiro recolhido.
Dica: Nunca aceite ajuda de estranhos quando estiver sacando dinheiro em caixas eletrônicos.

Troca de cartões
O estelionatário oferece ajuda a uma pessoa com dificuldades nas operações do caixa eletrônico. Ele então a ensina a usar a máquina e, na ação, memoriza a senha da vítima. Depois, retira rapidamente o cartão da máquina e troca por outro. Quando a vítima percebe a troca, o ladrão já sumiu e está efetuando saques em outros caixas.
Dica: Nunca permita que pessoas estranhas manejem seu cartão bancário.

Golpe do consórcio sorteado
Os bandidos anunciam, em jornais de grande circulação, a venda de ágios de consórcios sorteados que devem receber os carros direto da fábrica. Para efetuar a venda, eles pedem que os interessados mandem por fax as cópias dos documentos oficiais e paguem uma pequena taxa no banco. As vítimas recebem então cópias do contrato, nota fiscal e o suposto pedido do carro à fábrica. Confiante nesses documentos, elas pagam o valor do ágio, geralmente depositado em contas de bancos paulistas. A operação costuma ser feita por telefones celulares. Depois de depositar o dinheiro, a vítima descobre que os documentos que recebeu são falsos.

Dica: Não pague qualquer taxa antes de receber o bem em questão.
Previna-se
Não confie em estranhos que lhe abordem na rua
Jamais entregue bolsa, documentos ou dinheiro a ninguém
Cuidado com dados e documentos pessoais
Não forneça dados pessoais ou digite números pelo telefone
Evite deixar documentos nas portarias de prédios públicos
Preste atenção nos prazos de entrega de talões de cheque. Se não chegou no tempo prometido, procure o banco
Não deixe de fazer boletim de ocorrência registrando perda, desvio, furto ou roubo de documentos


Correio, 02.12.2005
ESTELIONATO
Uma fraude por dia. Delegacia de Falsificações e Defraudações da Polícia Civil registrou pelo menos 200 golpes do veículo desde o começo do ano. Quatro pessoas também caíram no velho conto do bilhete premiado
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Carolina Caraballo Da equipe do Correio
Kleber Lima/CB

Luiz Henrique teve o cartão de crédito clonado duas vezes: “E depois ainda temos que provar para o banco que somos honestos”
Paulo H. Carvalho/CB/28.4.04

“As quadrilhas estão muito organizadas. Alugam um barraco só para terem comprovante de residência e conseguirem uma linha telefônica”
Domingos Sávio, delegado da Polícia Civil


O crime é inafiançável. A pena pode chegar até cinco anos de reclusão. Os estelionatários, no entanto, contam com duas aliadas poderosas – a tecnologia e a distância – para confiar na impunidade. Chips instalados em caixas automáticos podem armazenar as informações de um cartão bancário. Com um anúncio nos classificados e uma linha telefônica, vende-se carros que sequer existem. Documentos pessoais roubados podem ser o suficiente para abrir uma conta bancária e comprar à prazo, pedir empréstimos. Por dia, no Distrito Federal, pelo menos uma pessoa é vítima de algum tipo de estelionato.
Há 15 anos, a realidade era bem diferente. O golpista precisava ter uma veia artística e contava com a ingenuidade da vítima. Mas, armações como o golpe do bilhete premiado estão perto de se tornar folclore. A encenação costuma ser protagonizada por dois golpistas. Um finge ser bastante humilde e ingênuo. Ele explica que ganhou na loteria, mas não sabe como resgatar o dinheiro. E pede a ajuda da vítima. O comparsa, sempre bem-vestido, finge interesse em colaborar com a situação. Cabe a ele convencer a vítima a entregar certa quantia de dinheiro como garantia de que ela não tentará fugir com o prêmio. Na semana passada, a aposentada Odete (nome fictício), 53 anos, por pouco não na cai cilada e entrega R$ 5 mil para os golpistas (leia depoimento ao lado).
“Eu já conhecia a armação, pregaram a mesma peça na minha irmã, em Belo Horizonte”, confessou. “Mas os dois bandidos eram tão convincentes que eu realmente acreditei na história.” De acordo com a Delegacia de Falsificações e Defraudações (DEF), as vítimas do bilhete premiado costumam ser mulheres. O golpe é aplicado em áreas com grande concentração de bancos, como Asa Sul, Asa Norte, Taguatinga e Ceilândia. Dados da DEF apontam que quatro pessoas caíram no golpe do bilhete premiado desde o começo do ano até agora.
O delegado da DEF, Domingos Sávio, explica que os estelionatários não querem mais se arriscar, evitam ter contato direto com a vítima e preferem ações mais lucrativas. Dessa forma, armações como o golpe do veículo são campeões no número de vítimas. Só neste ano, 200 pessoas se interessaram por carros anunciados em classificados, pagaram 10% do valor da compra como entrada e nunca receberam o veículo. “As quadrilhas estão muito organizadas.”, afirmou Sávio. “Eles alugam um barraco só para terem comprovante de residência e conseguirem uma linha telefônica. Alguns têm até fax.”

Posto de gasolina
Evitar o golpe do veículo ou do empréstimo pessoal (veja quadro) não é difícil. Basta desconfiar de oportunidades muito vantajosas oferecidas por empresas desconhecidas. O crime que mais preocupa o consumidor, no entanto, é aquele contra o qual não se pode precaver.O funcionário público Luiz Henrique Chavarry da Silva, 53 anos, teve o cartão de crédito clonado duas vezes. A primeira vez ocorreu em 2003. “Estranhei porque só usava o cartão para abastecer o carro e fazer compras no supermercado. Minhas faturas não chegavam a R$ 800 por mês”, relembra. “Quando liguei para o banco, descobri que tinham comprado R$ 3 mil com meu cartão. Desses, R$ 2 mil foram gastos em uma sapataria em Luziânia.”
Em setembro deste ano, Luiz Henrique descobriu que o cartão de crédito havia sido clonado pela segunda vez. “Na fatura apareceu uma compra de celular feita em Goiânia”, contou. “Quem usa cartão de crédito está sujeito à sorte. E depois ainda temos que provar para o banco que somos honestos e que não fizemos esta ou aquela compra.”
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DEPOIMENTO
Oferta de R$ 100 mil para receber o prêmio “Estava na comercial de uma quadra na Asa Norte, quando percebi que um homem vestido com terno e gravata estava ao meu lado. Ele comentou comigo como era difícil atravessar a rua naquele local. Quando chegamos ao outro lado da calçada, um sujeito que parecia ter vindo da roça nos abordou. Disse que era analfabeto e precisava de ajuda para retirar um prêmio das loterias da Caixa Econômica Federal. Duvidei que fosse verdade, mas o homem de terno falou que poderia confirmar se o bilhete era premiado. Ligou para um gerente da Caixa, conferiu o jogo e disse que o valor do prêmio era maior do que R$ 1 milhão. O caipira ficou com medo de que alguém tentasse roubar o bilhete. O homem de terno garantiu que era empresário. Disse que tinha U$ 50 mil em casa e ofereceu a quantia como garantia das boas intenções. O caipira disse que estava sem documentos, e me ofereceu R$ 100 mil para transferir o dinheiro para minha conta e depois entregar para ele. Mas pediu R$ 5 mil como garantia. Pedi, então, para o empresário ficar com o caipira e disse que iria sozinha ao caixa automático tirar o dinheiro. No caminho, descobri que não houve ganhador no concurso do bilhete supostamente premiado. Era um golpe.”

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Odete (nome fictício), 63 anos, mora na Asa Norte

ESTELIONATOS
Alerta contra os golpes
Criminosos lançam, a cada dia, modalidades novas. Polícia Civil já identificou 17 tipos. Muitos são conhecidos, mas ainda fazem vítimas

Márcia Leite

A cada mês, um novo golpe. As modalidades são diversas. Os estelionatários têm buscado inúmeras formas de fraudar, enganar e roubar a população. A Delegacia de Falsificações e Defraudações de Brasília (DEF) investigou os golpes mais recentes e com o maior número de ocorrências nos últimos meses no Distrito Federal. São 17 tipos apurados e que têm tirado o sono de pessoas honestas.
A delegada-chefe da DEF, Eneida Orbage Taquary, alerta que é preciso um cuidado redobrado para que não haja mais vítimas. "Os novos mecanismos de fraudes são cada vez mais elaborados. Os golpistas criam um cenário que denota seriedade e veracidade. Não se pode acreditar que o dinheiro irá até a pessoa tão facilmente. É preciso checar sempre todos os dados e verificar as informações pessoalmente", orienta.
Um outro alerta é que a vítima deve desconfiar de supostas vantagens. Em geral, as pessoas se empolgam ao saber que podem receber uma quantia em dinheiro e acabam caindo no golpe. A prática mais recente fez cinco vítimas, todos servidores públicos aposentados. M. foi uma delas. Ela não imaginou que estivesse sendo enganada e caiu no golpe do fundo de pensão.
Após receber um telegrama com a informação de que havia um valor proveniente do fundo de pensão da Associação Nacional de Previdência Privada (ANPP) para ser resgatado, um suposto advogado de São Paulo, que se identificou como Bertolino Luis da Silva, entrou em contado por telefone. "Ele explicou que a quantia era uma correção que eu e meu marido tínhamos direito a mais, de R$ 24 mil", conta M.
Decepção
Ela resolveu confirmar os dados do advogado. Tudo estava correto, endereço do escritório, telefone e até o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Achei que estivesse agindo corretamente. Depois que verifiquei tudo, fiz o depósito que ele pediu, no valor de R$ 1.052, mas nunca recebemos a quantia que ele havia prometido", lamenta M.
A delegada diz que todos os casos estão sendo investigados pela 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte). "Os dados utilizados para aplicar o golpe realmente são de um advogado de São Paulo. Ele ficou espantado ao saber que seu nome estava sendo usado para aplicar o golpe. Vamos seguir com as investigações", afirma Eneida.
"Os golpistas criam um cenário que denota seriedade e veracidade. Não se pode acreditar que o dinheiro vem facilmente"
Eneida Orbage, delegada da DEF
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Crimes especializados
O golpe do seqüestro, que já fez inúmeras vítimas, também foi "atualizado". Agora, a vítima recebe um telefonema pelo qual o estelionatário diz ser da companhia telefônica, e avisa que
a linha do usuário apresenta problemas e que o aparelho precisa ser desligado pelo prazo de uma hora.
Nesse intervalo, o estelionatário liga para os parentes da vítima e diz que ela foi seqüestrada, exigindo um depósito para o resgate. Com o telefone desligado e impossibilitado para receber chamadas, o golpe é facilmente aplicado.
Recentemente, outra fraude também levou o dinheiro de inocentes. A reportagem do Jornal de Brasília mostrou como o golpe do protesto fez outras vítimas. A partir de editais publicados em veículos impressos, os estelionatários tiveram acesso aos dados das empresas devedoras. Bastou um telefonema. De um lado, a suposta central de protestos. Do outro, o devedor em desespero ao ser avisado que tinha poucas horas para quitar a dívida. Dessa maneira, a vítima efetuava o depósito e descobria o prejuízo tarde demais.

Dinheiro fácil
O golpe do dinheiro fácil também não pára de fazer vítimas. Uma mulher, de 50 anos, que prefere não se identificar, confessa que foi mais uma a cair na armadilha. Com a filha necessitando de um transplante de rim, ela se empolgou com o anúncio oferecendo crédito de até R$ 50 mil. Com o objetivo de tomar R$ 30 mil emprestado, ela ligou e fechou o negócio. Para receber a carta de crédito, precisaria depositar R$ 350. O dinheiro foi enviado, mas ela nunca conseguiu tirar o empréstimo. "Fui cair num golpe desses já com 50 anos. Acho que foi o desespero para ajudar minha filha. Mas fica aí um alerta", afirma ela.
A Polícia Civil faz não só o alerta para os tipos de golpes como dá orientações à população. O JBr selecionou dez dos 17 golpes mais comuns (veja quadro acima) para que as pessoas fiquem alertas.
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Cedoc/15.06.04/DAVI ZOCOLI

Welton Trindade: "Algumas vítimas preferem o silêncio"
Campanha estimula denúncia
Malu Pires
Um golpe muito comum é o chamado "Boa Noite Cinderela". Para evitá-lo, a comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual e transexual) acaba de lançar a segunda edição da campanha "Cuidado Com Suas Companhias". O objetivo é alertar esta faixa da população para a ocorrência deste golpe, segundo Welton Trindade, presidente da Estruturação, entidade representativa destas orientações sexuais.
O golpe é caracterizado pela sedução da vítima em bares, boates ou até pela internet. No encontro, é colocado um potente sonífero na bebida ou no chiclete. A pessoa fica dopada e o golpista rouba pertences e dinheiro. "Mas há relatos, também, de assassinatos ocorridos nestas situações", afirma Welton.
O que dificulta a elucidação destas ocorrências, afirma ele, é o medo que as vítimas têm de se identificar. "Por razões como vergonha ou medo de expor sua preferência sexual, algumas vítimas preferem o silêncio", conta Welton, assinalando que esta é a razão pela qual as estatísticas policiais não identificam com clareza este tipo de crime. "Apesar de ser comum em Brasília", acrescenta Welton.
Defesa
A denúncia é a melhor maneira de defender o grupo, diz ele. Quem seguir esta orientação, poderá contar com o apoio jurídico e psicológico da Estruturação, por meio de atividades do Centro de Referência em Direitos Humanos LGBT. Outra entidade que apóia a campanha é a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa.

Jornal de Brasília, 08.04.2007 - Cidades

CB, 19.01.2006
Tem golpista na linha telefônica
Segundo balanço da Polícia Civil em janeiro, dois brasilienses caem diariamente em golpes aplicados por meio de celulares. Bandidos simulam seqüestro para extorquir dinheiro das vítimas
Leandro Bisa - Da equipe do Correio

É preciso cuidado ao falar ao telefone, principalmente se há um desconhecido do outro lado da linha. Criminosos estão usando o aparelho para cometer uma série de golpes. E o problema é cada vez maior no Distrito Federal. “A febre começou no início do ano passado. E não pára de crescer”, concluiu o diretor-geral da Polícia Civil do DF (PCDF), delegado Laerte Bessa. Trinta e quatro ocorrências foram registradas nos primeiros 17 dias deste ano. A média é de duas por dia – bem superior a 2005, que teve 276 casos registrados durante o ano inteiro.
Mas Bessa acredita que o número de golpes aplicados seja pelos menos duas vezes maior do que o registrado pela polícia. Segundo ele, muita gente não procura as delegacias com vergonha. Foi o caso de um economista aposentado, de 68 anos, morador do Lago Sul, que prefere não se identificar. No último dia 14, um homem ligou para sua casa e disse que ele havia ganhado um sorteio. Mas, para receber os prêmios, deveria telefonar para um celular com prefixo do interior de São Paulo.
O aposentado seguiu as intrusões. O homem que atendeu pediu então à vítima para comprar, imediatamente, 20 cartões com créditos para celulares pré-pagos. O golpe só não foi adiante porque a filha do economista, uma policial que mora no sul do país e passa férias em Brasília, estranhou a conversa e tomou o telefone do pai. “Era um homem com linguajar grosso. E tinha um som de balbúrdia no fundo, semelhante a uma cela de presídio”, disse a policial, que também pediu anonimato, por motivo de segurança.
Para Laerte Bessa, o aposentado seria vítima do golpe telefônico mais comum. Os criminosos pedem às vítimas que comprem cartões de telefone e ditem os códigos deles. Assim, os bandidos ficam com os créditos. A história do sorteio ainda é usada para se conseguir números de série de celulares e dados pessoais. Com essas informações, os golpistas clonam telefones e intimidam familiares das vítimas com ameaças.
Relatório elaborado pelo Departamento de Atividades Especiais (Depate) da Polícia Civil, ao qual o Correio teve acesso, indica que o golpe do sorteio corresponde a 55,8% dos casos registrados em 2005 (confira arte). O do seqüestro está em segundo lugar. Corresponde a 18,8% do total. Bandidos ligam para uma pessoa, fingem ser bombeiros e dizem que parentes dela sofreram grave acidente. Depois, telefonam para outro familiar e o chantageia.
Do presídio
A família do advogado Gustavo Bósio, 25 anos, passou por isso há três dias. Um criminoso ligou para a casa dele e afirmou que seus pais haviam se acidentado. A irmã mais nova do advogado, uma jovem de 18 anos, atendeu. Eles pediram várias informações a ela, supostamente para confirmar a identidade das vítimas do desastre. Depois, pediram o número de uma pessoa mais velha da família. A jovem deu o telefone de Gustavo, que caiu no golpe (leia depoimento). “Os bandidos são muito convincentes”, declarou o diretor da Polícia Civil.
Segundo o relatório do Depate, a maioria das vítimas mora em Brasília. Foram 69 casos só no Plano Piloto. Depois vêm os moradores de Taguatinga (37 casos) e do Guará (34). As três cidades, juntas, registraram 50,7% das ocorrências. O dia com maior incidência é a terça-feira. O documento revela que 45,6% dos telefonemas aconteceram entre 12h e 18h e 34,4% entre 6h e 12h – horários de maior atividades nos presídios. Apenas 1,4% dos crimes ocorreu de madrugada.
“É normal esse golpe ser aplicado de dentro de penitenciárias. No ano passado, localizamos uma quadrilha que agia de dentro de Bangu 1, no Rio de Janeiro”, afirmou Bessa. Ele explicou que o golpe do telefone é executado por pessoas ligadas a facções e organizações criminosas. Dos 276 casos registrados, 11,2% das ligações partiram do Rio de Janeiro e 6,16% de São Paulo. O Ceará aparece em primeiro lugar com cerca de 40,5% dos telefonemas.
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Campanha educativa
A Polícia Civil iniciou ontem campanha de alerta à população sobre os golpes telefônicos. Policiais estão nos principais shoppings da cidade distribuindo folhetos explicativos. Os agentes orientam o brasiliense a não fornecer nenhum dado por telefone, caso não saiba com quem está falando. Também pedem que o cidadão não pague qualquer valor ou compre cartões. A Polícia vai distribuir 20 mil folhetos – outros 20 mil são confeccionados.
O diretor-adjunto da Divisão de Repressão a Seqüestros, Flamarion Vidal, disse que a melhor maneira de combater esse tipo de crime é a prevenção. Isto porque as empresas telefônicas se recusam a fornecer, imediatamente, informações sobre os telefones de origem das ligações, com a alegação de que estariam quebrando o sigilo telefônico de seus clientes.
A polícia precisa enviar ofício à Justiça e aguardar a decisão. A burocracia faz com que os investigadores percam tempo. Como os bandidos costumam trocar de aparelho rapidamente, fica difícil descobrir a autoria dos crimes. Ainda mais porque a maioria dos bandidos está fora da capital federal. Segundo o diretor da Polícia Laerte Bessa, ainda não foi identificado nenhum telefonema criminoso com origem nos presídios do Distrito Federal (LB).

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DEPOIMENTO - GUSTAVO BOSI

Família ameaçada
Ligaram para mim e perguntaram: “O que o Valdir é do senhor?”. Meu pai, respondi. Então a pessoa disse que havia seqüestrado ele e minha mãe. Descreveu a fisionomia deles, o carro e o trabalho de meu pai. Queriam R$ 30 mil para soltá-los. Eu disse que não tinha isso e não poderia arrumar em pouco tempo. Então ouvi: já que é assim, pode encomendar duas coroas de flores. Fiquei desesperado.
O bandido começou a negociar. Disse que se eu desligasse ele não retornaria e mataria meus pais. Eu falei que tinha R$ 4 mil na conta. Ele respondeu que servia. Saí do meu trabalho, no Fórum de Ceilândia, e fui ao banco, onde saquei o dinheiro. Conversei com ele e outro homem por mais de uma hora. Fizeram terror o tempo inteiro. Falaram que meu pai havia mandado dizer que me amava.
Mandaram eu depositar o dinheiro em outro banco, em uma conta do Rio de Janeiro. Com certeza eram cariocas, por causa do sotaque. Quando saí do banco, mandaram eu ir ao cemitério mais próximo. Quando cheguei, eles desligaram. Meu pai ligou em seguida e disse que estava no trabalho. Comecei a chorar.
Enquanto eles falavam comigo, não arrisquei fazer nada. O terror é muito grande. Eu só queria ver meus pais. A gente acha que é culto o suficiente ao ponto de nunca cair em uma dessas, mas não é bem assim.

(Gustavo Bosi, 25 anos, advogado e morador de Taguatinga. Ele foi vítima do golpe na segunda-feira).

Roubo e extorsão

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

CONCEITO: É a subtração de coisa alheira móvel mediante violência, grave ameaça ou outro meio que suprima a capacidade de resistência da vítima. Distingue-se o do furto em razão do enfrentamento físico direto entre os sujeitos ativo e passivo, ou seja, há emprego de ameaça ou violência contra pessoa. No furto, a violência pode ocorrer, mas sempre contra coisas, e não contra a vítima.

OBJETO JURÍDICO: Trata-se de crime complexo, sendo objeto da tutela o patrimônio, a integridade corporal, a liberdade e a própria vida humana, eis que a forma mais grave de conduta inclui o latrocínio - matar para roubar.

SUJEITO ATIVO: crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa, sem nenhuma qualidade especial.

SUJEITO PASSIVO: num primeiro plano, é o possuidor ou qualquer outra pessoa atingida pela violência; em segundo lugar, o proprietário da coisa.

TIPO OBJETIVO: Subtrair com violência (lesões corporais ou vias de fato), grave ameaça ou qualquer meio que suprima ou reduza a capacidade resistência da vítima (arma, hipnose, sonífero, etc.). Fala-se de roubo próprio quando a violência ou grave ameaça são empregados antes ou durante a subtração, e roubo impróprio quando são posteriores, incidindo a figura do§ 1°).

TIPO SUBJETIVO: dolo específico, consubtanciado na vontade de subtrair com violência, grave ameaça ou qualquer meio que suprima a resistência da vítima coisa alheia móvel, para si ou para outrem.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: A conduta se consuma quando a coisa escapa da esfera de proteção e vigilância da vítima, ocorrendo a inversão da posse. A tentativa é admissível, já que se trata de crime material.

FORMAS QUALIFICADAS (§ 2°):
I) emprego de arma: denota maior periculosidade do agente. Arma é todo instrumento de ataque ou defesa, capaz de provocar lesões. A jurisprudência consolidade não considera a presenção da qualificadora quando se trata de arma de brinquedo, arma simulada ou simulacro de arma, ou quando a arma, mesmo verdadeira, esteja desmunciada o agente não disponha de munição, ou quando esteja quebrada, com a ineficácia vulnerante comprovada por perícia técnica. A questão, todavia, ainda enseja alguma controvérsia.

II) quando há concurso de duas ou mais pessoas, quando acarreta maior dificuldade de defesa, aumentando a facilidade na subtração. Incide a qualificadora mesmo se um dos agentes for inimputável. Se á conduta é praticada por mais de três pessoas, deve-se cogitar na possibilidade de concurso material com a formação de quadrilha (art. 288), desde que comprova a prévia associação permanente e estável para o fim do cometimento de crimes;

III) quando a vítima está efetuado o transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. A norma visa conferir maior proteção aos bancários, caixeiros viajantes, pagadores e cobradores, que habitualmetne transprotam dinheiro, títulos, selos, jóias, etc.

IV) quando a subtração é de veículo automotor transportado para outro Estado ou para o exterior. Qualificadora acrescentada pela Lei 9.426, de 24/12/96, sob fundamento de maior dificuldade para apuração do delito.

V) Quando há restrição da liberdade da vítima. Acrescentado pela Lei 9.426/96, na esteira da doutrina Lei e Ordem, que busca inutilmente nas penas mais severas a resposta à criminalidade violenta. É comumente conhecido como sequestro relâmpago.

ROUBO COM LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE: “se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão de sete a quinze anos, além de multa” (§ 3°, 1° parte). A lesão deve ser causada diretamente pela violência, não incidindo a qualificadora quando a simples intimidação provoca enfarte, colapso nervoso, etc. Neste caso, uma solução possível é considerar roubo simples com lesão corporal em concurso formal. Ocorrendo lesão grave ou morte, estará consumado o delito na forma mais grave mesmo se não houver a subtração, mas desde que comprovado o intento de subtrair.

LATROCÍNIO (157, 2a parte, § 3º): Pena: 20 a 30 anos + multa. é outra forma de delito qualificado pelo resultado, exigindo o nexo causal entre a violência e o resultado letal, o que não ocorre quando a vítima perece somente com a intimidação. Não é mister que a morte seja desejada pelo agente; basta o emprego violência da qual resulte a morte; e não necessariamente a morte da vítima, mas de qualquer pessoa que venha a ser atingida pelo ato de violência, excluindo-se, contudo, o coautor.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA NO LATROCÍNIO: consuma-se o latrocínio com a efetiva subtração e morte da vítima. Mas como se trata de crime complexo (subtração e morte), surgem problemas quando um dos crimes não se realiza. Se há subtração e a vítima sobrevive, mesmo atingida por violência com potencialidade leta por ato do agente, haja ou não o intuito homicida, há tentativa de latrocínio.
Havendo morte sem subtração, a doutrina e jurisprudência oferecem as seguintes possibilidades de solução: a) tentativa de roubo em concurso formal com homicídio qualificado; b) tentativa de roubo, em concurso material com homicídio qualificado; c) homicídio qualificado; d) latrocínio tentado; e) latrocínio consumado, que é a orientação predominante, adotada pelo STF na Súmula 610.

CONCURSO E DISTINÇÃO: Exercício Arbitrário das próprias razões (art. 345). Subtração com arrebatamento por trombadinhas e trombadões: furto ou roubo? Há controvérsia, considerando-se uma ou outra figura conforme a intensidade e duração da possível violência utilizada pelo agente. Se a vítima sob ameaça entrega seus bens ou valores, há extorsão. Não se cogita da figura roubo de uso, haja vista os bens jurídicos tutelados (integridade corporal e patrimônio). Roubo + seqüestro: se a subtração é o objetivo final da privação de liberdade, há roubo e não seqüestro, verificando-se o fenômeno da consunção; se o seqüestro é posterior à subtração, há concurso material. Seqüestro relâmpago é roubo qualificado pela detenção física da vítima (§ 2°, V). Admite-se continuidade delitiva entre vários roubos, mas não com o latrocínio, por não serem as condutas da mesma espécie. Nos crimes contra a liberdade individual, eventuais lesões corporais são absorvidos pelo roubo. Há concurso formal no roubo contra várias pessoas simultaneamente e concurso material com a formação de quadrilha.

Extorsão

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.
§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
§ 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.

CONCEITO: Consiste em obrigar a vítima a um comportamento comissivo ou omissivo que traga um proveito econômico indevido ao agente, que se se utiliza de violência ou grave ameaça para impor sua vontade à vítima extorquida. Distingue-se do roubo porque nesta espécie a ação da própria vítima é que vai propiciar a inversão de posse da res substracta.

São elementos da Tipicidade: 1) ameaça ou violência empregadas para atemorizar a vítima; 2) o estado de coação da vítima; 3) ação ou omissão da vítima; e 4) fim de obter vantagem econômica ilícita do agente.

OBJETO JURÍDICO E MATERIAL: Em primeiro plano, tutela-se o patrimônio, mas paralelamente se busca resguardar também a integridade corporal, a saúde, a liberdade pessoal e a vida. O elemento distintivo entre o roubo é a ação e objeto material: no roubo, a ação é subtrair, tomar, arrebatar, retirar do domínio da vítima; na extorsão, a vítima é que é obrigada a realizar uma ação ou omissão da qual resulta a vantagem econômica ilícita pretendida pelo autor. O objeto material do roubo é sempre coisa alheia móvel, enquanto na extorsão é uma ação ou omissão que traga vantagem econômica, traduzida por bens móveis, imóveis ou mesmo bem imaterial. A vantagem econômica normalmente é representada por dinheiro em espécie, mas também pode ser qualquer coisa com potencial econômico.

Questiona-se se, sendo absolutamente nulo o ato extorquido, que não pode produzir qualquer efeito jurídico, há crime?
Primeiramente, é preciso distinguir entre atos nulos e atos anuláveis, em face da lei civil. O ato nulo não produz efeitos jurídicos e a extorsão, sendo crime contra o patrimônio, só se configura com o efetivo prejuízo econômico da vítima. Assim, se o ato extorquido não pode produzir efeito, há crime impossível por impropriedade do objeto. Exemplos: a confissão de dívida de inimputável ou documento assinado em que a vítima se obrigue a servir como escravo. Em ambos os casos, não há extorsão, mas constrangimento ilegal. Os atos anuláveis, por ssu vez, produzem efeitos até que sejam declarados nulos, podendo, assim, acarretar benefício econômico para o agente. Conseqüentemente, servem servem à configuração da tipicidade da extorsão.

TIPO OBJETIVO: Constranger significa obrigar, forçar, coagir a vítima a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer algo, mediante violência ou grave ameaça. O agente constrange a vítima e esta, atemorizada pela violência sofrida ou diante da perspectiva de mal injusto e grave, faz o que não deseja. A ação pode consistir numa ameaça (violência moral ou vis compulsiva ou vias de fato (força física ou vis corporalis).

TIPO SUBJETIVO: Dolo genérico, ou seja, consciência e vontade de praticar a ação típica mais o dolo específico, que é o fim de obter proveito ilícito, de natureza econômica. Ausente o intuito de obter vantagem econômica indevida, há exercício arbitrário das próprias razões, constrangimento ilegal ou, eventualmente, crime contra a dignidade sexual.

SUJEITO ATIVO: qualquer pessoa que obrigue alguém a praticar conduta ativa ou omissiva, da qual resulte proveito econômico em seu favor ou de terceiro. Sendo funcionário público, a exigência de vantagem indevida em razão da função configura concussão (art. 316).

SUJEITO PASSIVO: uma ou várias pessoas ao mesmo tempo. a vítima é quem fica sujeita à violência ou à grave ameaça e também aquela que vem a sofrer prejuízo econômico, que nem sempre é a mesma pessoa.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: A questão ainda enseja alguma controvérsia. Entende-se que se consuma com a lesão patrimonial efetiva, ou seja, quando o agente obtém a vantagem pretendida. Mas o entendimento predominante da jurisprudência está cristalizado na Súmula 96-STJ: “O crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”. A tentativa é admissível, como em todos os delitos materiais.

FORMAS QUALIFICADAS. Concurso de agentes ou emprego de arma (§ 1º: Pena: + acréscimo de um terço a metade. Se resulta lesão grave ou morte, aplica-se a pena do latrocínio (§ 2º).

CONCURSO E DISTINÇÃO: Exercício Arbitrário das próprias razões (art. 345, CP). No roubo, o agente pratica a ação de tomar ou subtrair um bem; na extorsão, a vítima pratica uma ação ou omissão que se traduz em vantagem econômica para o o agente. No estelionato, a vítima, espontaneamente pratica a conduta, por estar em erro ou iludida pelo artífício ou ardil. O intuito libidinoso configura crime contra a dignidade sexual.

Extorsão Mediante Seqüestro

Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90.
Pena - reclusão, de doze a vinte anos.
§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave
Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.
§ 3º - Se resulta a morte: pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.
§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços

CONCEITO: Nada mais é do que uma extorsão onde a violência e a grave violência empregadas consistem na privação de liberdade de uma pessoa da estima da vítima. Tutela-se o patrimônio, a liberdade individual, a incolumidade física e a vida.

SUJEITO ATIVO é qualquer pessoa. É quem mantém a vítima em seu poder e todos os demais que contribuem para obtenção da vantagem (mensageiro, vigia da vítima, quem busca o resgate, etc).

SUJEITO PASSIVO é a pessoa seqüestrada e a que paga o resgate (pode ser uma só).

Ação Física: Traduz-se no verbo seqüestrar, ou seja, privar de liberdade a vítima, ainda que por pouco tempo. É crime permanente, em que a consumação se protrai no tempo, perdurando enquanto durar a privação de liberdade.

TIPO SUBJETIVO: Dolo genérico e específico: vontade de seqüestrar mais o intuito de obter vantagem (qualquer vantagem, não apenas econômica, não apenas indevida). Se não há esse específico, pode configurar seqüestro, redução à condição de escravo, rapto, etc.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Consuma-se com a privação de liberdade da vítima, sendo conhecida a finalidade de obter vantagem. Admite tentativa.

FORMAS QUALIFICADAS: 1) Quando o sequestro tem duração de mais de 24:00h, implicando maior dano à vítima e sofrimento para sua família. 2) Quando a vítima é menor de dezoito anos, com menores chances de defesa e maior preocupação aos pais. 3) Quando resulta lesão corporal ou morte da vítima. Se morrer o terceiro que a protegia, há concurso formal com o homicídio.
No crime cometido em concurso de pessoas, a pena é reduzida de um a dois terços se um dos agentes denunciar o outro, facilitando a libertação da vítima.

Extorsão Indireta
Extorsão indireta

Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

CONCEITO: É a chamada exploração torpe do crédito em detrimento de quem, compelido pela necessidade, recorre ao auxílio financeiro do usurário, que constrói sua fortuna sobre a ruína econômica de outrem. O objeto jurídico tutelado é o patrimônio e a liberdade individual.

Sujeito Ativo: qualquer pessoa, que exige ou recebe garantia ilícita. Em regra, é o credor, normalmente agiota. Sujeito Passivo: quem cede à exigência ou oferece a garantia, ou ainda terceira pessoa que possa ser envolvida em procedimento criminal.

Tipo Objetivo: exigir ou receber, alternativamente. Para realizar a conduta, o agente, sem haver concorrido para o estado aflitivo da vítima, se vale dessa circunstância para extorquir um título indevido, deixando pendente a ameaça de procedimento criminal.

Objeto material do crime é o documento que pode dar causa a processo crime: cheque sem fundos, cambial com assinatura falsa, confissão de um crime, etc.

Elemento subjetivo: dolo genérico (vontade de realizar o tipo) + dolo específico (finalidade de receber documento como garantia de divida).

Consumação e tentativa Consuma-se com a exigência ou recebimento da garantia injurídica. No primeiro caso, é crime formal, em que não como fracionar a conduta; por isso, não é possível a tentativa. No segundo caso, é delito material, admitindo a forma tentada.

Ainda sobre concurso de pessoas

Concurso de Pessoas.

Um crime pode ser cometido isoladamente por uma só pessoa ou junto com outras, mediante ajuda e mútuo esforço de dois ou mais indivíduos. Antigamente, esse concurso de pessoas na execução de um crime era tratado de forma simplificada: todos quantos contribuíam para o resultado respondiam igualmente pelo crime. Era a solução adotada pelo Código Penal de 1940.
Não obstante, o estudo desse fenômeno chamou a atenção da doutrina, observando que a participação de mais de uma pessoa no crime pode ocorrer de diversas formas diferentes, o que implica a necessidade de diferenciação na cominação da pena correspondente, obedecendo a uma escala de valores que deve levar em conta que as ações dos diversos atores e de seus coadjuvantes são mais ou menos relevante na realização do tipo. Essa participação pode ocorrer na fase de cogitação ou durante a execução do crime. E como se revelam mais ou menos importantes, há que se proporcionar um tratamento diferenciado para cada agente.
Segundo Noronha, o concurso é definido como a “ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal”. Assim, ações diferentes de várias pessoas podem convergir na consecução do objetivo comum, que é a produção de um resultado tipificado na lei penal, sendo até mesmo desnecessário o ajuste prévio de vontades: desde que o agente esteja ciente da conduta ilícita do parceiro e adere às suas ações, haverá o concurso.
Há delitos que exigem necessariamente o concurso de duas ou mais pessoas. São chamados crimes de concurso necessário ou plurissubjetivos. , Dentre estes se citam: bigamia, rixa (art. 137, CP), formação de quadrilha ou bando (art. 288, CP), associação para o tráfico de entorpecentes (art. 35, da Lei 11.343/2007). Há que se distinguir concurso de pessoas do concurso necessário, eis que pode existir o primeiro sem caracterizar o segundo, mas não o inverso.
Várias teorias tentam explicar o fenômeno do concurso de pessoas e justificar o tratamento penal a ser dado aos agentes:
a) Teoria Monista, Unitária ou Igualitária: mesmo quando praticado por várias pessoas, o crime permanece uno e indivisível, não se podendo distinguir as diversas formas de participação dos agentes e suas respectivas categorias (autor, partícipe, instigador, cúmplice, etc.). Todos são considerados co-autores do crime. Essa a posição do legislador penal de 1940, cujo artigo 25 rezava: "quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a ele cominadas";
b) Teoria Pluralista: a multiplicidade de agentes corresponde a um real concurso de ações distintas, originando uma pluralidade de delitos. Assim, cada um dos participantes do crime pratica um crime autônomo, que independe dos demais.
c) Teoria Dualística: quando duas ou mais pessoas se unem para praticar determinada conduta, haverá um crime para os autores e outro para as pessoas que apenas contribuíram secundariamente para sua realização. Há, pois, uma ação fundamental, preponderante, de maior relevância, que é a ação do autor do crime, ou seja, aquele que realiza a ação descrita no tipo; e há ações secundárias ou acessórias, realizadas pelas pessoas que instigam ou auxiliam de qualquer o autor a cometer o delito. Contudo, o crime é um só, e muitas vezes, a ação do executor é até menos importante do que a do partícipe, como ocorre, por exemplo, na coação resistível ou na utilização de terceiro inciente que realiza a ação engendra pelo agente sem ter a consciência de estar cometendo um delito.
A reforma de 1984 introduziu no Código Penal um conceito novo, cristalizado no art. 29, que diz: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Com isso, buscou o legislador se resguardar em face das injustiças que resultantes da aplicação da teoria monista, possibilitando dosar as penas de cada pessoa que contribuiu para o crime de acordo com a importância de suas ações na realização do tipo. Mesmo não distinguindo co-autoria e participação, tal divisão se mostra clara no art. 62, IV, do CP, ao referir-se à execução e à participação no crime praticado mediante paga ou promessa de recompensa. Há que se ressaltar, também, o tratamento diverso dado no concurso necessário de agentes nas hipóteses de aborto consensual ou aborto consentido, com sanções diferidas para os co-autores, consoantes os artigos 124 e126 do Código Penal.
Dessa forma, a partir da reforma de 1984, todos quantos contribuem para a produção do resultado do crime responderão por ele, mas a ressalva contida no art. 29 permite aplicação de penas diferenciadas para cada um, de acordo com o dolo e o grau de reprovabilidade das respectivas condutas. Assim, se um dos agentes pretendia participar do crime menos grave, responderá por este e não simplesmente pelo resultado alcançado e indesejado. Se o resultado é previsível, aumenta-se a pena até a metade, na forma do § 2º, do art. 29.
A participação de várias pessoas num determinado crime pode ocorrer em qualquer uma das fases do iter criminis, da cogitação à consumação. Respondem pelo ilícito quem ajudou no planejamento, quem forneceu os meios materiais para a execução, quem interveio na execução e aquele que só compareceu na consumação. Em qualquer dessas fases, a participação será reconhecida, respondendo em concurso mesmo aqueles aderiram depois do início da execução (nos crimes permanentes, por exemplo), sendo dispensável a prova do acordo prévio de vontades. Após a consumação, o terceiro que auxilia não será co-autor do delito consumado, respondendo pelo delito próprio (ocultação de cadáver (art. 211, CP), receptação (art. 180, CP), favorecimento pessoal ou real (art. 349, CP) e outros.
No concurso de pessoas, a causalidade psíquica ou moral acompanha a causalidade física (nexo causal), ou seja, todo aquele que concorreu para a produção do resultado lesivo, de forma consciente e voluntária, responde pelo crime. Inexistente, porém, esse nexo de causalidade física e psíquica, não há o concurso, ainda que o agente desejasse participar do ilícito. Assim, se alguém empresta um revólver para que um terceiro mate outra pessoa, sabendo dessa intenção homicida, em princípio, estaria concorrendo para o crime e como tal responderia. Mas, se a arma não veio a ser utilizada na prática do crime, não haverá co-autoria ou participação.

Requisitos do concurso de pessoas

a) pluralidade de condutas; b) relevância causal de cada uma delas; c) liame subjetivo entre os agentes; d) identidade de fato. Quando há várias ações, é preciso que exista objetivamente um nexo causal entre cada uma delas e o resultado final. Portanto, é necessária relevância causal das condutas incriminadas, para que haja responsabilização penal dos seus autores. Ademais, exige-se um liame psicológico entre os vários autores, isto é, a consciência de que estão agindo em conjunto para a concretização do tipo penal. Não basta a ação dolosa ou culposa dos agentes, mas a existência de uma relação subjetiva entre eles. Assim, não haverá concurso entre a ação da empregada doméstica que, por negligência, esquece-se de fechar a porta, facilitando a entrada do ladrão e a subtração de coisas do interior da residência do patrão; se o fez propositadamente, com a intenção de facilitar a ação do autor da subtração, há o liame subjetivo, caracterizando o concurso.
O conhecimento de que o crime será cometido, assistir ao evento sem nada fazer, ou mesmo a concordância com o resultado, não configura o concurso, se agente não tiver concorrido com uma causa de que resulte a consumação do crime. No entanto, se ela tiver o dever jurídico de impedir o resultado, estará caracterizado o concurso.

Autoria. O autor do crime é aquela que realiza a ação no fato típico descrito pela norma penal. Ou seja, são autores aquele dispara o revólver e o que realiza a subtração da coisa, etc. A lei não distingue, em princípio, aquele que pratica a ação daquele que, de alguma maneira, contribuiu para a produção do resultado. Mas, sem dúvida alguma, há uma distinção implícita, especialmente após a reforma de 1984, nas ações do autor, do co-autor e do partícipe. Basta examinar os dois parágrafos acrescentados ao art. 29, onde se percebe claramente um tratamento distinto para aquele que "quis participar" do crime menos grave e o que realizou a ação do crime mais grave (§ 2º); também prevê uma pena abrandada para aquele cuja participação no crime for de "menor importância".
Como identificar, então, quem é o autor do crime, quem é co-autor e quem é partícipe? Existem três teorias para conceituação da autoria:
a) Teoria formal-objetiva, para a qual o autor é aquele que pratica a conduta típica descrita na lei. É, pois, quem mata, subtrai, falsifica, engana, etc. (Aníbal Bruno, Damásio de Jesus, Heleno Cláudio Fragoso). Como se vê tal conceito exclui quem comete o crime através de interposta pessoa inimputável (menor, louco, etc.).
b) Teoria Material-Objetiva: inclui como autor tanto aquele que executa a ação principal descrita no tipo, como também o que concorre com uma causa na produção do resultado. Não distingue entre autor e partícipe e tem o inconveniente de ignorar que, nem sempre, aquele que contribui para o resultado é autor do fato. Além disso, a própria lei confere tratamento distinto àquele que contribuiu para o resultado, mas queria apenas realizar um fato menos grave.
c) Teoria final-objetiva: autor é quem tem o domínio final do fato; ou seja, é aquele, na realização concreta do fato típico, domina conscientemente o seu desenrolar, podendo, inclusive, interrompe-lo, se o desejar. Segundo Mirabete, de acordo com essa doutrina, autor seria "quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato". Assim, seria autor o chefe da quadrilha que, sem participar diretamente de um assalto a um banco, por exemplo, coordena e decide toda a atividade dos assaltantes, os quais seriam partícipes.
Como se vê, nenhuma dessas teorias satisfaz plenamente todas as exigências ditadas por uma realidade cada vez mais complexa da vida social. A maioria da doutrina se inclina pela primeira corrente, acrescentando o conceito de autoria imediata e autoria mediata: autor imediato é quem pratica a ação, no todo ou em parte, contribuindo na execução do crime. Co-autoria ocorre quando mais de uma pessoa contribui para o resultado lesivo, como anunciar o assalto apontando uma arma, enquanto outra pessoa despoja as vítimas de seus pertences; ou segurar a vítima enquanto é esfaqueada pelo cúmplice. Quem usa um menor para praticar um furto, seria autor mediato. As pessoas que, não sendo autores mediatos ou imediatos, realizam uma conduta típica, sem, contudo, participarem da execução, são partícipes. Boa parte da doutrina, contudo, defende a idéia de que a reforma penal de 1984, ao adotar a teoria finalista da ação, abraçou, também, a teoria do domínio final do fato.
Há crimes que exigem do autor uma qualidade especial (ser funcionário público, ser médico, ser policial, etc.) e por isso são chamados crimes próprios. Nesses casos, pode haver coautoria ou participação, desde que os coautores ou partícipes tenham conhecimento da qualidade especial do autor. Não a tendo, nas hipóteses de crime funcional próprio (prevaricação, corrupção passiva, etc.), não responderão por qualquer ilícito; sendo crime funcional impróprio (peculato, violência arbitrária, etc.) serão responsabilizados pelo crime menos grave, na forma do art. 29, § 2º.
Coautoria. Em última análise, coautoria é o mesmo que autoria, fundando-se na divisão do trabalho, em que cada um dos agentes pratica atos de execução dos quais resultará o fato típico. Há consenso entre os coautores na realização do resultado. Aquele que concorre para a realização do tipo também responde pela qualificadora ou agravante objetiva quando tem consciência desta e a aceita como possível. Mister se faz a existência do liame subjetivo interligando os agentes, ou seja é preciso que todos estejam conscientes de que estão cooperando na realização de uma conduta comum a todos.
Participação. A participação é uma atividade acessória daquele que presta colaboração ao autor. Tal conduta só tem relevância quando, pelo menos, é iniciada a execução do crime. O partícipe não comete a ação típica descrita na norma, mas contribui indiretamente na sua realização, Há uma contribuição causal, mas não indispensável, e a vontade de cooperar na realização do crime. São formas de participação ajuste, determinação, instigação, organização e chefia, auxílio material ou moral, adesão, etc. Na doutrina, tem-se duas espécies básicas: a instigação e a cumplicidade. O instigador age sobre a vontade do autor, gerando a idéia de praticar o crime; assim, induz o autor ou o instiga, estimulando uma idéia preexistente. Deve essa instigação ser dirigida para um fim específico de praticar determinado crime. A instigação genérica pode configurar um tipo penal próprio, como a incitação pública ao crime. Cúmplice é aquele que contribui materialmente para o crime, exteriorizando sua conduta, como, por exemplo, emprestando a arma ou o seu carro para realização de um assalto, fornecendo o segredo cofre, deixando a porta do banco sem trancar, indicando o momento de troca de vigilância, etc.
Autoria Mediata. Pode ocorrer que um crime seja praticado por uma pessoa inimputável, ou que age sem culpabilidade, devido à interferência do autor que controla essas ações. É a chamada autoria mediata, que ocorre em casos como o do médico, que receita uma droga letal que é aplicada pela enfermeira que não tem consciência do que faz, ou daquele que utiliza um menor para execução do crime. O fator determinante da autoria mediata é que o domínio do fato pertence exclusivamente ao autor e não ao executor do crime.
Coautoria e participação no crime culposo. É possível a coautoria em crime culposo quando há um vínculo psicológico entre duas ou mais pessoas na prática da conduta. Mesmo que não estejam querendo o resultado, concorrem para que este se produza quando se comportam culposamente. Neste caso, o concurso difere substancialmente daquele do crime doloso, pois a colaboração entre os agentes se dá apenas na produção da causa e não do resultado. Conclui-se, também, que não pode haver participação no crime culposo, pois se exige que os agentes realizem, todos, uma conduta culposa.
Cooperação dolosamente distinta. Todos quantos concorram para o crime incidem nas penas cominadas na medida de sua culpabilidade. Isso significa que o legislador quis proporcionar uma penalização justa, correspondente à gravidade da conduta e ao dolo do agente. Os §§ 1º e 2º, do art. 29, traduzem essa vontade da lei. O § 1º diz que o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço quando a participação é menos importante, ou seja, quando a colaboração prestada pelo partícipe é secundária, menos relevante na produção do resultado, que poderia perfeitamente dispensá-la. A ação do partícipe, neste caso, não é determinante para a realização do crime, embora tenha atuado como uma das suas causas. Assim, não deve ser reconhecida quando o agente participou da idealização do crime ou forneceu instrumento sem o qual não seria possível a sua execução. A redução da pena é facultativa, podendo o juiz deixar de aplicá-la, mesmo se estiver convencido da desimportância da conduta do partícipe, quando este revele uma vontade dirigida para o resultado idêntica à do autor ou autores.
Por outro lado, de acordo com a redação do § 2º, o juiz deverá distinguir quanto à culpabilidade de cada um dos agentes, no momento da aplicação da pena, examinando as condições e circunstâncias subjetivas do crime (antecedentes, motivos, personalidade, etc.). A Lei nº 8.072/90 trouxe uma inovação, tentando introduzir, de forma canhestra, o instituto da barganha ou transação penal, de larga aplicação no regime da common law. A lei diz afirma que em se cuidando do crime de quadrilha ou bando para a prática de crimes hediondos, o juiz reduzirá a pena do delinquente, de um terço a dois terços, um quando de seus componentes denunciar os demais, possibilitando a elucidação dos crimes e o desmantelamento da quadrilha (art. 8º, § único). Mas o benefício raramente é concedido, parecendo estar fadar a se tornar letra morta, pois é difícil que um membro da quadrilha denuncie os demais recebendo apenas uma redução de pena, indo depois reencontrar os ex-companheiros no presídio cumprindo penas mais alentadas, tornando-se alvo fácil de represália. A norma foi revigorada com a edição da Lei 9.807, de 13/07/1999 (Lei de Proteção à Testemunha), que previu o perdão judicial aos réus colaboradores, estabelecendo o seguinte:
“Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§ 1o Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos.
§ 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei.
§ 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.”
Qualificadoras e agravantes no concurso de agentes. O concurso de pessoas poderá ser uma circunstância qualificadora do delito, como decorrência natural da maior facilidade para execução do crime, diminuindo os riscos para os agentes. Isso ocorre, por exemplo, nos crimes de constrangimento ilegal (art. 146, § 1º, violação de domicílio (art. 150, § 1º), furto (art. 155, § 4º, Inc. I), roubo (art. 157, § 2º), etc. Há, também, as agravantes genéricas previstas nos arts. 62, I, II, III e IV).
Concurso de pessoas e circunstâncias pessoais elementares do crime. No art. 30, está dito que "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do criem". Assim, distinguiu o legislado, expressamente, circunstâncias e condições pessoais. As circunstâncias são elementos não essenciais à configuração do crime, mas que o integram, de molde a conferir nuanças de menor ou maior gravidade, implicando o aumento ou a redução da sanção. As condições pessoais do agente dizem respeito às suas qualidades pessoais (menoridade, reincidência, etc.) ou situação jurídica (casamento, parentesco, etc.).
As condições pessoais são subjetivas e contrapõem-se às condições reais, ou objetivas. As primeiras não se comunicam aos demais agentes, justamente porque lhe são peculiares. Já as condições reais ou objetivas comunicam-se, pois se referem ao tempo (durante a noite, por ocasião de incêndio, etc.), ao lugar (local ermo, casa habitada, etc.), ao meio de execução (emprego de veneno, fogo, explosivo, etc.) ou às condições ou qualidades da vítima (criança, enfermo, funcionário público, etc.).
Observe-se, contudo, que as circunstâncias pessoais elementares do crime se comunicam aos demais agentes. Assevera a doutrina que não se trata, a rigor, de circunstâncias, mas de elementos que fazem parte do próprio tipo penal. É caso daquele que auxilia o funcionário público na prática do peculato ou quem instiga o médico a não fazer a notificação compulsória da doença de que seja portador. Não são comunicáveis, todavia, as causas pessoais de exclusão de crime, tais como imunidades diplomáticas e judiciárias, escusas absolutórias, etc. ou algumas causas de extinção de punibilidade, como indulto, retratação, etc.
Concurso e execução do crime. Reza o art. 31 que "O ajuste, a determinação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado". A doutrina conceitua o ajuste como sendo o acordo feito para praticar o crime; determinação é a provocação que surja em outrem a vontade de praticar um crime; a instigação é estimular uma idéia criminosa preexistente; auxílio é proporcionar meios materiais para execução do delito. Salvo na formação de quadrilha ou bando, o planejamento de duas ou mais pessoas para a pratica de um crime é penalmente irrelevante, se não há início da execução.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Algumas considerações sobre o concurso de pessoas

Dou as seguintes explicações a propósito da pergunta de um aluno, sobre a conduta da empregada doméstica que facilita a entrada de ladrões que vêm a subtrair objetos valiosos na casa dos patrões (Famulato, ou furto qualificado pelo avuso de confiança, art. 155, § 4º, inciso II, CP).

A participação de várias pessoas num determinado crime pode ocorrer em qualquer uma das fases do iter criminis, da cogitação à consumação. Respondem pelo ilícito quem ajudou no planejamento, quem forneceu os meios materiais para a execução, quem interveio na execução e aquele que só compareceu na consumação. Em qualquer dessas fases, a participação será reconhecida, respondendo em concurso mesmo aqueles que aderiram depois do início da execução (nos crimes permanentes, por exemplo), sendo dispensável a prova do acordo prévio de vontades. Depois de consumado o delito, o terceiro que auxilia não será co-autor, mas responderá pelo delito próprio (ocultação de cadáver (art. 211, CP), receptação (art. 180, CP), favorecimento pessoal ou real (art. 349, CP) e outros.
No concurso de pessoas, a causalidade psíquica ou moral acompanha a causalidade física (nexo causal), ou seja, todo aquele que concorreu para a produção do resultado lesivo, de forma consciente e voluntária, responde pelo crime. Inexistente, porém, esse nexo de causalidade física e psíquica, não há o concurso, ainda que o agente desejasse participar do ilícito. Assim, se alguém empresta um revólver para que um terceiro mate outra pessoa sabendo dessa intenção homicida, em princípio estaria concorrendo para o crime e como tal responderia. Mas, se a arma não veio a ser utilizada na prática do crime, não haverá co-autoria nem participação.

Requisitos do concurso de pessoas

a) pluralidade de condutas; b) relevância causal de cada uma delas; c) liame subjetivo entre os agentes; d) identidade de fato. Quando há várias ações, é preciso que exista objetivamente um nexo causal entre cada uma delas e o resultado final.. Portanto, é necessária relevância causal das condutas incriminadas, para que haja responsabilização penal dos seus autores. Ademais, exige-se um liame psicológico entre os vários autores, isto é, a consciência de que estão agindo em conjunto para a concretização do tipo penal. Não basta a ação dolosa ou culposa dos agentes, mas a existência de uma relação subjetiva entre eles. Assim, não haverá concurso entre a ação da empregada doméstica que, por negligência, esquece-se de fechar a porta, facilitando a entrada do ladrão e a subtração de coisas do interior da residência do patrão; se o fez propositadamente, com a intenção de facilitar a ação do autor da subtração, há o liame subjetivo, caracterizando o concurso.
O conhecimento de que o crime será cometido, assistir ao evento sem nada fazer, ou mesmo a concordância com o resultado, não configura o concurso, se agente não tiver concorrido com uma causa de que resulte a consumação do crime. No entanto, se ela tiver o dever jurídico de impedir o resultado, estará caracterizado o concurso

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Anotações sobre o dolo eventual no "racha": o caso Timponi

Caros alunos, compartilho com vocês trechos do voto proferido no chamado "Caso Timponi", que resultou no reconhecimento de homicídio culposo no trânsito, afastando a competência do Tribunal do Júri para o julgamento da lide. O assunto é momentoso e polêmico. O que escrevi nesse voto oral, que foi proferido como vogal e sem prévia preparação contém algumas considerações sobre o tema que considero de extrema importância e, por isso, apresento à reflexão de todos que visitam este espaço democrático para troca de idéias. provavelmente o tema ainda deverá ser submetido ao STJ, ao qual cabe apreciar as decisões das instâncias ordinárias, cumprindo o papel uniformizado da jurisprudência, Eis os trechos mais significativos do raciocínio desenvolvido:

[...] tem sido uma marca do nosso tempo a instabilidade institucional: mudanças na cultura, nos costumes, nas leis, na doutrina e na jurisprudência. Altera-se a composição dos tribunais, altera-se a jurisprudência. Então, onde está a verdade? Qual é, dentre tantas alternativas que se apresentam, aquela mais acertada a qual nos devamos apegar? E se nos apegamos hoje a determinada solução, amanhã novamente nos assalta a dúvida de que tenha sido a decisão mais acertada.
Além disso, a pletora de processos a julgar muitas vezes nos obriga a generalizar, por não ter condições materiais de analisar cada caso em toda sua inteireza, cada caso em suas circunstâncias específicas. Há uma tendência à estandardização que quase se torna obrigatória, porque, se formos efetivamente analisar todas as nuanças da lide, não haverá como dar vazão à conflituosidade latente na sociedade atual.
Quero ainda lembrar, até mesmo com um pedido antecipado de desculpas pelo voto que irei proferir, que, com certeza ira desagradar a uma das partes, que já experimentei na vida a perda irreparável do pai e da irmã mais velha em acidentes de trânsito. Também já compartilhei a dor de acompanhar, em um sábado à noite, as atividades do pronto-socorro do Hospital de Base de Brasília. E tive oportunidade de ver no que se transforma o atendimento emergencial nos finais de semana. Acho que, se cada um de nós tivesse a oportunidade de ver o que acontece nessas noites de sábado, ou de sexta para sábado, de sábado para domingo, enfim, num final de semana, em qualquer pronto-socorro de hospital público, certamente teria uma nova visão a respeito desse velho problema. Há muitos ângulos pelos quais pode ser examinada esta questão. Vou me deter especificamente na aferição do dolo eventual, que é o ponto fundamental da demanda.
O que o Juiz disse para afirmar que o réu assumiu o risco de produzir o resultado? Como V. Ex.a já transcreveu, vou só mencionar o ponto onde ele realmente afirma que há dolo eventual:
“Não tendo sido afastada circunstância fática indicativa de que os veículos empreendiam uma disputa, “racha”, em se tratando de pronúncia, isto é, no iudicium accusationis, a eventual dúvida não favorece os acusados, incidindo a máxima jurídica in dubio pro societate.”
Esse foi o trecho mais incisivo onde se esboçou a afirmação do dolo eventual: em razão de uma disputa ou “racha”. O resto são argumentos genéricos. A sentença afirma: “Na verdade, justamente pela dificuldade de avaliação da existência do dolo eventual, que a jurisprudência, em casos similares, (...). Nessa linha, destaca-se o seguinte julgado do e. Superior Tribunal de Justiça (...). Obviamente o agente que pratica o crime de trânsito não age com dolo direto, não pretendendo (...)”. Quero dizer, mais uma vez, que há uma argumentação bastante genérica. Fala-se das fórmulas de Frank, que traz a teoria positiva... São exatamente duas páginas e meia, mais da metade dela ocupada pela transcrição da jurisprudência.
Tenho observado que, nos últimos tempos, as pressões da vida moderna sobre as decisões judiciais têm dificultado sobremaneira a tarefa de julgar. Está sempre presente a angústia em saber se realmente se está decidindo da melhor forma. A sociedade espera que o Juiz decida sempre com equidade e justiça, mas o que é a justiça? Hans Kelsen, talvez o maior de todos os filósofos do Direito, uma vez questionado, afirmou: “Ah! A justiça, este famoso sonho da humanidade, eu realmente não sei o que é”. Ora, se ele, mestre dos mestres, não sabia o que era a justiça, quem somos nós para defini-la? Mas ele assentou uma premissa básica: não pode haver justiça sem a verdade; a verdade é o principal baluarte para possibilitar a concretização do bom e do justo. Mas onde está a verdade?
Neste julgamento, o que se tem de verdade, para o ilustre Juiz, na dificuldade imensa de resolver essa delicada e cruciante questão – e aqui não vai absolutamente qualquer crítica – nota-se a busca do precedente jurisprudencial e da opinião do doutrinador para sustentar uma conclusão que, na verdade, revela a falta de convicção quanto à configuração do dolo eventual. Não há uma justificativa consistente. No cotejo dos fatos com a norma incidente à espécie, não há aquele ir e vir reflexivo do juiz para dizer: “Por isso entendo que, nesta hipótese, o réu assumiu o risco de produção do resultado ou a ele se mostrou indiferente”, não há. O que há é um argumento bastante genérico, quando afirma que não foi afastado o fato de que o réu empreendia um “racha”.
Para ilustrar o que estou querendo dizer, transcrevo um trecho da obra de Orlando Gomes, escrita em 1955, para mostrar que esse problema não é novo. O que é novo agora é a maior complexidade das discussões. E o erro que ele aponta, quando trata da crise do Poder Judiciário, é justamente a postura inadequada na interpretação dos fatos e na aplicação do Direito. Diz o mestre:

"(...) Nada há concorrido mais decisivamente para a decadência dos estudos jurídicos do país do que essa preferência comodista pela obra de comentário. A missão do advogado, como a do juiz, reduz-se a uma simples investigação: procurar o dispositivo legal que lhes parece aplicável à espécie e, encontrado, não lhes resta mais do que folhear os comentadores e extrair da breve anotação ou da glosa prolixa o que pode ser aproveitado para reforçar de autoridade a opinião que querem sustentar no momento (...).
Mais adiante, continua:
(...) Este amor à forma manipulada se revela, por um lado, prudência; pelo outro, cria hábitos de rotina que fossilizam o texto maleável. A invariabilidade no julgamento proporciona aos litigantes, sem dúvida, um sentimento de segurança, mas, se é sistemática, acarreta sérios inconvenientes, porque sacramenta erros, impossibilitando a correção, e paralisa o texto, impedindo-lhes a renovação. Demais disso, desmerece o papel essencialmente dinâmico que a jurisprudência deve desempenhar na vida do Direito. O juiz que se impressiona demasiadamente com os julgados, aceitando-os incondicionalmente pelo prejuízo de que exprimem a melhor justiça, se faz apóstolo inconsciente do mecanicismo judiciário. Entretanto, a magistratura não deve compreender sua função como uma tarefa automática, consistente na monótona repetição de soluções estandardizadas. A lei não é uma preparação automática que, posta em movimento por um processo mecânico, deve dar, sempre, em todas as hipóteses, igualmente de modo mecânico, uma certa sentença (...).

Aqui nos traz o velho mestre lições inexcedíveis, que mostravam, já naquele tempo, a preocupação com a facilidade que recrudesceu na modernidade de fazer recortes das alheias para sustentar nossas opiniões, inclusive ao banalizar o recurso “recorte e cole” do Word. Então, se há um fato, há necessidade de encontrar um precedente. Há uma inferência prévia de que aquele fato configura determinado tipo e a tarefa maior do juiz é encontrar uma jurisprudência, um comentário entre os autores da moda. Que, aliás, é também outra marca do nosso tempo.
Há pouco, em quase todas as sentenças e arrazoados, citavam-se Hungria, Fragoso, Mirabete, Damásio. Passou. Agora, há Nucci, Eugênio Pacelli, Rogério Grecco, Cezar Bittencourt... Quem sou eu para fazer qualquer crítica ao trabalho desses doutrinadores eméritos, que são, sem dúvida, extraordinários; precisamos deles! Não dá para ser onisciente, ter o brilho sagrado da verdade no olhar e dispensar a leitura desses autores que nos ajudam a pensar, a raciocinar; o que quero dizer é que não se pode, na busca de uma segurança ilusória, se apegar aos textos escritos, à jurisprudência, ao precedente, deixando de examinar, de per si, cada um dos elementos de convicção existentes nos autos.
Então, se há um fato e um problema, há uma inferência prévia da solução, tornando-se necessário simplesmente buscar o conforto de alguma opinião respeitável, que proporcione um embasamento teórico mais consistente ao raciocínio. Ah, se fosse fácil assim julgar! E esse é o problema que Orlando Gomes já preconizava: a necessidade de refletir criticamente sobre as verdades estabelecidas pela doutrina e pela juripsrudência. A realidade do julgar é uma realidade vívida, dinâmica. Cada caso é um caso diferente, com suas nuanças, com suas particularidades, e isso deve ser ressaltado pelo juiz no seu julgamento. É assim que se avança no campo das idéias.
Bem, esses são os aspectos, diga-se, propedêuticos da questão a ser deslindada nos autos. Tivemos enorme dificuldade em perceber, como o fez o ilustre Juiz sentenciante, a certeza suficiente para um juízo de pronúncia, ao dizer: “Neste caso, o réu assumiu o risco de produzir o resultado” ou “Neste caso, o réu se mostrou indiferente à produção desse resultado”.
[...] é difícil admitir que as pessoas se lancem desabridamente numa disputa automobilística nas ruas, e, diante da perspectiva de se envolverem em um grave acidente, afirmarem: “Se acontecer, dane-se”, porque essa é a resposta que estamos procurando. Ele fez essa afirmação? Mostrou-se indiferente? Mostrou-se absolutamente insensível à possibilidade concreta de provocar o dano? Ou, em outras palavras, as suas ações, os seus gestos, o seu comportametne, enfim, antes, durante e depois do evento indicaram a presença desse elemento subjetivo? Não há realmente certeza da resposta, mas não parece, pelo menos nesta hipótese concreta, tão evidente assim, a ponto de se poder dizer: “Deixemos isso para ser resolvido pelos sete jurados que vão avaliar a conduta deste homem e resolver essa questão.” Simples. Talvez seja essa a decisão mais cômoda, mas, como dito no início do voto, julgar não é fácil. Nessas ocasiões a toga pesa pelo menos uma tonelada.
Se Henry Ford soubesse o que aconteceria com a sua invenção, talvez tivesse jogado seus projetos na lata do lixo, porque o automóvel foi concebido para proporcionar prazer e facilitar o trabalho, o esforço humano, mas, lamentavelmente se transformou, hoje, principalmente no Brasil, em uma máquina letal, mortífera, que tem semeado infelicidades, choros e tristezas em tantas famílias enlutadas.
Uma solução há que ser dada, mas a solução não é o Judiciário que deve propor, e sim o Legislativo. Determinar um tratamento mais duro sem uma base legal consistente? Pode-se questionar - e o faço - se seria realmente salutar para a sociedade, colocar um jovem — aqui não se trata disso, mas estou laborando em hipótese — de 18, 19, 20 anos, um filho, ou sobrinho, ou o amigo do filho que se envolva em um acidente nessas circunstâncias, como sói acontecer em tantas noites e finais de semana. Seria realmente proveitoso para a sociedade, para conter essa violência no trânsito, colocar esse jovem na cadeia, com uma imputação de homicídio qualificado, cuja pena mínima é de 12 anos? A sociedade ganharia efetivamente com isso? Se houvesse uma resposta certa para essa pergunta, com certeza, seria mais confortável decidir dessa forma, alterando a jurisprudência que se firmou ao longo dos anos, em prol da paz e de maior segurança nas ruas. Mas não há. Pelo contrário, a doutrina afirma a uma só voz que não é o rigor da pena que inibe as condutas criminosas.
Precisa-se, evidentemente, uma solução mais racional para punir, que não seja simplesmente a punição inexpressiva, como já foi acentuado, prevista no Código de Trânsito Brasileiro, que cometeu, inclusive, um grande equívoco: Talvez uma das penas mais duras que pudesse ser imposta ao motorista, hoje, seria justamente a cassação definitiva de seu direito de dirigir um veículo automotor ou, pelo menos, a cassação durante um tempo alentado. Mas o legislador estabeleceu dois meses a cinco anos, o tempo mínimo e máximo. Mas, para chegar a cinco anos, há que juntar um volume tal de circunstâncias judiciais e legais desfavoráveis; pois, na prática, é impossível justificar até mesmo um ou dois anos de suspensão da carteira. Evidentemente é uma punição inadequada.
É a cadeia a melhor solução? Não creio. Talvez a obrigatoriedade de prestação de serviços à comunidade nos pronto-socorros, pelo menos no atendimento, se não diretamente com as vítimas; porque muita gente não pode, inclusive, ver sangue. Mas pode trabalhar no serviço de atendimento às famílias das vítimas, para lhes dar informações, sentir o clima; pode trabalhar, talvez, certo tempo no IML para elaborar estatísticas e verificar quantos morrem em um final de semana e durante um mês; pode trabalhar num centro de reabilitação motora, para acompanhar a difícil luta dos sobreviventes para reotrnar à vida comunitária. Assim, poder-se-ia, talvez, sonhar com aquela postura reflexiva do condenado capaz de transformá-lo num homem melhor. Mas num presídio? É preciso aprender a punir com inteligência, não olvidando que a pena tem uma função retributiva, mas também preventiva (art. 59 CP), e que a execução deve "proporcionar condições de harmônica integração social do condenado", consoante o art. 1º, da Lei de Execução Penal.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Crimes contra o patrimônio. Do furto

UNIDADE VIII – Dos Crimes contra o Patrimônio

A partir do Título II, passa o legislador a tratar dos crimes contra o patrimônio. A primeira pergunta que vem à mente é: o que se deve entender, no campo específico do Direito Penal, pela expressão patrimônio? A palavra se confunde, no senso comum com a propriedade, só que é bem mais abrangente. Para o Código Civil, propriedade é o direito que tem a pessoa de usar, gozar e dispor de seus bens, reavendo-os de quem quer que injustamente os detenha. Vale dizer: é o poder de dispor de uma coisa e de suas utilidades. É a plena potestas dos romanos; direito real, une uma pessoa à coisa. Contundo, não é a propriedade propriamente dita que recebe, em primeiro plano, a tutela penal e, sim, o direito de posse, que implica o uso e o gozo da res, ou seja, o jus utendi et fruendi que compõe o patrimônio da pessoa física ou jurídica.
O patrimônio, segundo a doutrina clássica, é o próprio desdobramento da personalidade; é a irradiação da pessoa, possuindo características próprias e especiais, que não se confunde com os elementos que a compõe. Trata-se de uma abstração legal, como se via no art. 57, do Código Civil de 1916: “O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidade de bens e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”.
Importa salientar que o conteúdo do patrimônio, no Direito Penal, não coincide necessariamente com o conteúdo do Direito Civil. A res que o integra pode até não ter expressão econômica, mas apenas valor afetivo, e mesmo assim recebe a tutela penal.
Os direitos reais e os direitos obrigacionais constituem bens jurídicos integrantes do patrimônio, representando as duas grandes classes de direitos: os primeiros vinculam a pessoa a uma coisa certa e determinada, originando vínculo jurídico oponível erga omnes; os segundos vinculam uma pessoa a outra pessoa, criando um complexo de relações que se consubstanciam nas obrigações de dar, fazer ou não fazer. Os direitos reais são enumerados taxativamente no art. 1.225, do Código Civil, compreendendo: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a anticrese e a hipoteca. Os direitos obrigacionais, também chamados direitos pessoais são muito mais numerosos e não estão descritos na lei.
Para o Direito Penal, a posse inclui-se no patrimônio, embora não seja direito real, mas uma das qualidades desta, sendo conceituada na doutrina como “a visibilidade do direito real a exteriorização da propriedade“ (Bevilacqua). Também integram o patrimônio, como alvo da tutela penal, os chamados direitos intelectuais, decorrentes da criação do espírito humano: o privilégio de invenção ou de criação de obra artística, literária ou científica, que se reveste de alguns aspectos de direito pessoal, não obstante seu real conteúdo econômico. As relações econômicas decorrentes do direito de família e as ações relativas a esses direitos estão, de igual forma, ao abrigo da norma penal. Via de regra o patrimônio deve possuir um substrato físico. Não tendo, contudo, podem constituir ser objeto de crimes patrimoniais, como por exemplo, no estelionato.
A característica fundamental dos crimes patrimoniais é a diminuição do patrimônio da vítima, distinguindo-se suas várias modalidades pelo objeto material, pela complexidade do elemento subjetivo ou pela ação física do agente, recebendo, em face de cada um desses elementos, com maior ou menor intensidade, tratamento penal diversificado. Por exemplo: no art. 155, do Código Penal, o legislador ocupa-se do furto, tendo por objeto coisa alheia móvel (res furtiva). O mesmo propósito leva-o a tipificar o roubo (art. 157), de forma muito mais gravosa, e a apropriação indébita (art. 168). O imóvel e os direitos obrigacionais são tutelados em outros artigos do Código Penal (Crimes contra a propriedade imaterial – Título III, artigos 184 a 196).


Do Furto – Art. 155
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Conceito. Consiste na subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem. É a forma mais elementar dos crimes patrimoniais, distinguindo-se do roubo porque não há violência ou grave ameaça à pessoa.

Objeto Jurídico. Imediato: a posse; mediato: a propriedade. A lei protege, em primeiro plano, a posse; em segundo, a propriedade, não exigindo ligação entre uma e outra. Ladrão que rouba ladrão comete crime.

Sujeito Ativo. Qualquer pessoa. Quem subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Quem tem em seu poder coisa alheia móvel não pode subtraí-la; se dela resolve se apropriar, comete apropriação indébita (art. 168). Simples posse ou detenção da res não constitui crime, se não existir animus domini, pois não implica redução do patrimônio da vítima. Configura furto doméstico ou famulato (Carrara) aquele praticado pelo operário da obra ou pela empregada doméstica.

Sujeito Passivo. É a pessoa física ou jurídica que perdeu a posse do objeto, sofrendo desfalque no seu patrimônio. Sujeito passivo direto é o possuidor da coisa; indireto é o proprietário, que perdeu seu patrimônio. Não o é quem simplesmente detém a coisa sem ânimo de posse

Tipo objetivo. O tipo objetivo é indicada pelo verbo subtrair, que significa tirar ou retirar alguma coisa da esfera de proteção e disponibilidade de seu possuidor; apossar-se de algo pertencente a outrem É crime instantâneo, que se exaure com o apossamento da res furtiva. A execução e a consumação, via de regra, ocorrem simultaneamente. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que a consumação ocorre com a inversão de posse, ou seja, quando a coisa sai da esfera de disponibilidade da vítima e entra na posse do agente, sendo desnecessário que haja posse tranqüila.

Conceito de "coisa". “Toda substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e que tem um valor qualquer” (Noronha). A ação física importa numa alteração da realidade, com remoção da coisa alheia, que é retirada da esfera de disponibilidade e proteção do possuidor e transferida para o agente. Pode efetivar-se por meio de ação direta ou indireta, valendo-se o autor do concurso de terceiro inciente, animais adestrados ou meios mecânicos. A remoção pode ser feita por ação do próprio agente ou utilizando tração mecânica ou biológica do objeto material, como ocorre no furto de automóvel e no abigeato (furto de gado).

Objeto material. Coisa alheia é aquela que está na posse de outrem, proprietário ou possuidor. No Direito Civil, os bens são públicos, particulares ou fora do comércio. Para o Direito Penal, essa distinção é relativa: Toda coisa de valor economicamente apreciável, suscetível de apropriação e transporte, pode ser objeto de furto. Assim, o ar, a luz, terra, a água dos mares e dos rios podem ser objeto de furto, quando destacados e colocados em recipientes, (ar comprimido, água engarrafada, etc.

Não há furto no apossamento de coisas que nunca tiveram dono (res nullius, art. 592, CC) ou de coisas abandonadas (res derelicta, art. 592, parágrafo único). O apossamento de coisa perdida (res deperdita), constitui o tipo próprio do art. 169, II.

Só podem ser objeto de furto coisas com valor econômico ou afetivo para a vítima (fotografias, cabelos, cartas de amor, etc.). Coisas comuns ou de uso comum (art. 99, I, CC) - como ar, luz e água – serão objeto do crime se acondicionadas e de algum valor econômico.

A res sacra, ou coisas destinadas a culto religioso constituirão objeto material do crime do art. 208 ou do furto, conforme o elemento subjetivo. Se a finalidade da conduta é impedir ou prejudicar a realização de culto religioso, incide o tipo do art. 208; havendo intuito de lucro na subtração, há furto

São, também, objeto material de furto, coisas dos cemitérios e túmulos. Partes do corpo humano vivo podem se prestar ao furto: cortar os cabelos de uma mulher, para vendê-los. Quanto ao cadáver, há divergências na doutrina e jurisprudência (v. arts. 211 e 212). Furtar água encanada, mediante desvio do hidrômetro constitui o crime de usurpação de águas (art. 161, I).

Excluem-se do conceito legal coisas incorpóreas ou imateriais perceptíveis apenas à inteligência humana. Os direitos, por serem intangíveis, não podem ser objeto de furto, podendo sê-lo os títulos que os representam (nota promissória, cheque, etc.). Instrumentos ou títulos representativos de direito, normalmente se prestam à execução de práticas delituosas como estelionato, extorsão, falsificação, e outras.

Elemento subjetivo da conduta. Dolo genérico, representado pela intenção de apropriar-se, subtrair de outrem coisa móvel + dolo específico ou elemento subjetivo do injusto, que é o fim especial de agir: subtrair, com o intuito de ter para si ou para terceiro a res furtiva, como se fosse seu dono (animus furandi). O dissenso da vítima está implícito na descrição do tipo, com o verbo subtrair, pressupondo a contrariedade do possuidor da res furtiva. O consentimento exclui o delito. Se não existe, mas o agente tem sincera convicção de que lhe fora dado, não há crime, pois a boa fé exclui o dolo.

Excludentes de criminalidade: 1) ESTADO DE NECESSIDADE, no chamado furto famélico (furtar para saciar a fome); 2) LEGÍTIMA DEFESA, ao tomar a arma do agressor; 3) ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL, Oficial de Justiça, ao realizar penhora e remoção de bens por determinação judicial.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre quando a res sai da posse da vítima para entrar na posse do agente. Ocorre a inversão de posse, perdendo o possuidor a disponibilidade sobre a coisa retirada da sua órbita de vigilância, custódia ou guarda. Não se trata, assim, de delito formal ou de simples atividade, conforme sustentam alguns, mas delito material, constituído por uma ação (subtrair) e evento (apossamento da coisa), com alteração da realidade, resultando dano efetivo ao patrimônio da vítima. Assim, é possível a tentativa, v.g., se o agente cessa sua atividade antes que a res furtiva saia definitivamente da esfera de vigilância da vítima. Não se pune a tentativa na ineficácia absoluta de meio ou impropriedade do objeto (punguista que não encontra dinheiro no bolso da vítima)

CONCURSO E DISTINÇÃO. Exercício Arbitrário das próprias razões (art. 345);
Favorecimento Real (art. 349); Receptação dolosa ou culposa (art. 180); Furto de uso: apossar-se da coisa alheia para usar e devolvê-la depois. Não é crime; há concurso formal se subtraídas coisas pertencentes a várias pessoas; A violação de domicílio e o dano são absorvidos, no furto qualificado pela ruptura de obstáculo; Há controvérsia quanto à absorção do estelionato, no furto de cheques. Discutível a tese de concurso material se o talão de cheques é utilizado depois para fraude.

Furto noturno. Constitui causa especial de aumento ou qualificadora (art. 155, §1º) o furto praticado na ausência de luz solar ou do período de repouso noturno, proporcionando maiores facilidades para o agente e dificultando a defesa da vítima. O repouso noturno é variável de acordo com os costumes locais. Nesse caso, a pena é aumentada em um terço.

Furto Privilegiado. sendo o criminoso primário e de pequeno valor a res furtiva (art. 155, §2º), o juiz pode substituir a pena de reclusão por detenção, diminui-la de um a dois terços, ou aplicar somente a multa. Pequeno valor é o equivalente ao valor de até um salário mínimo, critério que, embora falho, foi adotado na jurisprudência.

Formas qaulificadas.
I) “DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA”. Neste caso, o agente inutiliza, destrói, desfaz, desmancha, arrebenta, rasga, fende, corta ou deteriora trincos, portas janelas, fechaduras, cerca de tela ou arame, vidros ou qualquer outro obstáculo que impeça o acesso à coisa que pretende subtrair.
II) ABUSO DE CONFIANÇA: é o furto praticado pelo vigia ou empregada doméstica (famulato); FRAUDE: caracteriza-se pelo embuste, ardil ou outro meio enganoso do agente para consumar a subtração; ESCALADA: utilização de acesso não convencional para adentrar na casa ou local da subtração; DESTREZA: consiste na habilidade física ou manual do agente;
III) EMPREGO DE CHAVE FALSA: consiste na utilização de cópia da chave original, chave micha, gazua, grampos, tesoura, arame ou qualquer outro tipo de instrumento que atue no mecanismo da fechadura, possibilitando sua para abertura;
IV) CONCURSO DE DUAS OU MAIS PESSOAS: a participação de duas ou mais pessoas denota maior periculosidade do agente e mais facilidade para cometimento do delito, diminuindo as possibilidades de defesa. Daí o acréscimo da pena.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sobre trabalho escravo

Lula sanciona lei que cria dia e semana de combate ao trabalho escravo

O Juiz Álvaro Luis Ciarlini, participou nesta tarde (29/10/20090) do Ato de Sanção Presidencial do PLS 571/007, do senador José Nery (PSOL/PA) que se refere à instituição da Lei que cria o Dia e Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Representando o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o Juiz Álvaro, juntamente com outros membros dos segmentos da Frente Nacional, se uniram na busca de ações contra o Trabalho Escravo.
Na Câmara dos Deputados, que foi Casa Revisora, tramitou como Projeto de Lei nº. 3536/2008. A partir da lei, foi instituído o dia 28 de janeiro de cada ano como o “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escavo” .
O senador José Nery é presidente da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, que faz parte da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Ele tem se articulado para formar uma Frente Parlamentar em favor da PEC 438/01 e atua em parceria com a Frente Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que reúne mais 40 organizações de várias áreas como direitos humanos, defesa do meio ambiente e entidades de classe.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Crimes contra a liberdade individual

CONSTRANGIMENTO ILEGAL


Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.


Objetividade Jurídica: Liberdade de autodeterminação, de fazer ou deixar de fazer o que quiser; liberdade física e psíquica.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum). Sendo funcionário público no exercício da função, pode configurar o exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350CP) ou o abuso de autoridade (Lei 4.898/65).

Sujeito passivo: Qualquer pessoa com capacidade de querer. Não se configura o crime quando praticado contra criança, doente mental, pessoas inconscientes, drogadas, embriagadas totalmente, e outros casos em que a vítima tenha suprimida por completo a capacidade de entendimento. O constrangimento pode, também, ser exercido contra representante do incapaz.

Tipo objetivo: Constranger, coagir, obrigar, forçar, compelir, impor, exigir, enfim, que a vítima realize determinada conduta, mediante uma das seguintes formas:

I) Violência física ou própria, ou seja, aquela exercida sobre pessoa (violência direta ou imediata); ato que atinja fisicamente a vítima: lesionar, amarrar, amordaçar, tirar muletas do aleijado, óculos do míope. Pode se efetivar contra pessoa diversa daquela a quem se quer constranger ou contra coisa (violência indireta ou mediata).

II) Grave ameaça ou violência moral. Consiste na promessa de um mal futuro, sério e verossímil. Não exige a presença da vítima, que pode tomar conhecimento da ameaça por escrito ou por interposta pessoa. O mal anunciado deve ser grave, podendo ser justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo. Pode até ser dever do agente realizar o mal prenunciado; mesmo assim, é ilícito coagir alguém a agir de determinada maneira. Exs: ameaça de denúncia à polícia, prender, executar dívida, etc.

III) qualquer outro meio capaz de reduzir a resistência da vítima ou violência imprópria. Hipnose, narcóticos, álcool ou outra substância capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima.

Pode ser praticado por meio de conduta comissiva ou omissiva, como, por exemplo, não alimentar o doente para obrigá-lo a certo comportamento. A intenção do agente é obrigar a vítima a fazer ou não fazer alguma coisa, em desacordo com a lei, exigindo-lhe uma conduta certa e determinada. O agente obriga a vítima a uma ação ilegítima, que não tem o direito de exigir. Se a pretensão for legítima, configura exercício arbitrário das próprias razões (art. 345). Patrão que obtém a confissão de estar sendo furtado pelo empregado - fato verdadeiro - sob ameaça de levar a ocorrência à polícia, não comete o crime, mas exercício regular de direito.

A lei não menciona expressamente a conduta de coagir alguém a tolerar que se faça algo (ex. pintar ou cortar o cabelo). A conduta da vítima é sempre uma ação ou omissão: fazer ou não fazer algo, por exigência do sujeito ativo. Há crime quando o agente utiliza violência ou grave ameaça para impedir a vítima de realizar ato imoral, mas não proibido por lei. Exemplo: prostituição. O ato é imoral, mas a lei não proíbe.

A ilegitimidade da pretensão pode ser:
A)Absoluta: quando o agente não tem nenhum direito à ação ou omissão da vítima, não podendo impor-lhe a conduta. Exs: impedir que use ou deixe de usar chapéu, que saia com determinada roupa, etc.
B) Relativa: quando, embora não proibido o comportamento da vítima, o agente não tem o direito de empregar violência ou grave ameaça para obter esse comportamento. Exs.: pagamento de dívida de jogo, de “serviços” de uma meretriz etc.

É NECESSÁRIO O NEXO CAUSAL ENTRE A VIOLÊNCIA, A GRAVE AMEAÇA OU A REDUÇÃO DE RESISTÊNCIA E O COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. Havendo violência, pode haver concurso material entre constrangimento ilegal e lesão corporal.

O constrangimento ilegal normalmente se apresenta como crime meio para execução de outros delitos, tais como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, etc. Nesses casos, é absorvido pelo crime mais grave.

Exclusão de tipicidade: “§ 3°. Não se compreendem na disposição deste artigo.”
I. Intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento ou contra vontade da vítima ou de seu representante legal, em face de iminente perigo de vida é estado de necessidade de terceiro. (Ex.: transfusão de sangue recusada por motivos religiosos).
II. coação para impedir suicídio. O suicídio não é ilícito penal, mas conduta antijurídica, configurando-se, no caso, estado de necessidade de terceiro.

Elemento subjetivo: dolo, genérico e específico, representando pela vontade livre e consciente de constranger a vítima, utilizando violência ou grave ameaça ou reduzindo a capacidade de resistência, ciente da ilegitimidade da sua pretensão. Supondo legítima sua conduta, o agente não age com o dolo; o fato é atípico (erro sobre a ilicitude do fato art. 21, CP). Está presente um elementos normativo, ou elemento subjetivo do injusto, que é a finalidade de de obter ação ou omissão da vítima. Acaso inexistente, o crime será lesão corporal, ameaça, etc. (posição majoritária). Os motivos do crime são irrelevantes na configuração do tipo.Dolo, genérico e específico, representando pela vontade livre e consciente de constranger a vítima, utilizando violência ou grave ameaça ou reduzindo a capacidade de resistência, ciente da ilegitimidade da sua pretensão. Supondo legítima sua conduta, o agente não age com o dolo; o fato é atípico (erro sobre a ilicitude do fato art. 21, CP). Está presente um elemento subjetivo do injusto, que é a finalidade de obter uma ação ou omissão da vítima. Acaso inexistente, o crime será lesão corporal, ameaça, etc. (posição majoritária). Os motivos do crime são irrelevantes na configuração do tipo.
Consumação e tentativa. Tratando-se de crime material, a consumação ocorre no momento em que a vítima constrangida faz o que a lei não manda, ou não faz o que a lei permite. A tentativa é admitida, quando, apesar da violência ou da grave ameaça, a vítima não realiza a conduta ou omissão desejada pelo agente.

Concurso e distinção: Crime de tortura (Lei n° 9.455/97): “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão, ou para provocar ação criminosa e em razão de discriminação racial ou religiosa. Sendo a vítima compelida a dar fuga ao agente em seu automóvel, há constrangimento ilegal e não seqüestro, em razão do elemento subjetivo do tipo, que, no caso, não é a privação da liberdade. Sendo a ameaça um fim em si mesma (incutir medo na vítima), o tipo é o do art. 147, já que não visa obter uma ação ou omissão. Ameaçar com intuito de obter vantagem econômica indevida é extorsão (art. 158, CP). O constrangimento ilegal constitui meio para execução de outros delitos, tais como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, etc. Nesses casos, é absorvido pelo crime mais grave. Art. 232 ECA: "Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos"


AMEAÇA

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Objeto jurídico: paz de espírito, tranqüilidade pessoal, liberdade psíquica ou o sossego individual.

Tipo objetivo: intimidar, anunciar cometer mal injusto e grave, prometer malefício por meio de palavra gravada ou pelo telefone, escrito (carta ou bilhete), gesto, como apontar arma, mesmo fictícia, para a vítima ou outro meio simbólico (desenho, bonecos com agulhas, emblemas, caveira, sinais, etc.) A ameaça pode se efetivar diretamente ou por interposta pessoa. O mal anunciado deve ser grave, sério, idôneo, capaz de intimidar. O padrão para sua verificação é o do homem médio. Se a ameaça causar risos, não configurará o crime. Se a vítima não acreditar na ameaça, não haverá crime. O mal prometido pode ser físico, moral ou econômico. A praga ou esconjuro não configura o tipo. Exs: "Que vá para o inferno"; "que um raio te parta"; "que o diabo te carregue" (nesses casos, não depende do agente). Deve ser, ainda, palpável, concretizável. Exclui-se ameaça fazer cair um raio, provocar erupção de vulcão, despencar a lua, etc. Desafiar para duelo não configura ameaça.

A ameaça pode ser direta (contra a vítima); indireta ou reflexa (contra terceiro); explícita (exibição de arma) ou implícita ("cobro minhas dívidas com sangue"); condicional: “vai apanhar se repetir o que disse"; "se fizer isso, será é homem morto"; "se fizer, leva um tiro". O mal anunciado pode ser anual, iminente ou futuro, podendo, ser feito durante um entrevero, uma briga ("ameaça em ato"), ou de um "mal futuro" prometido. Deve ser injusto (ao contrário do constrangimento ilegal) e não precisa ser criminoso. Ameaçar protestar título ou acionar a justiça não configura o crime. Desnecessária a presença da vítima, bastando que ela tome ciência da ameaça. Pode ser feita por telefone ou por intermediário (ameaça à distância). SUBSIDIARIEDADE: a ameaça é absorvida pelo constrangimento ilegal, sendo subsidiário em relação a crimes mais graves, compondo, geralmente, outros delitos. São exemplos: roubo, estupro, extorsão, etc. É, ainda, absorvida pela lesão corporal e pelo constrangimento ilegal. Não caracteriza ameaça mera bravata, ameaça jocosa, desafio, injúrias recíprocas, incontinência verbal, etc. Exige-se ânimo calmo e refletido. A ameaça em estado de cólera ou de embriaguez não é crime, porque não há seriedade na ameaça.

Sujeito Ativo: sendo crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma qualidade especial. Se for agente público, pode eventualmente configurar abuso de poder ou de autoridade.

Sujeito Passivo: qualquer pessoa física individualizada, com capacidade de entender a ameaça, podendo, por isso, ser amedrontada ou intimidada. Não se trata de terror generalizado, mas de pessoa determinada.

Elemento subjetivo: dolo, vontade de ameaçar, intimidar, meter medo, mesmo que o agente não tenha a real intenção de cumprir o mal prometido.

Consumação e tentativa. Tratando-se de crime formal, se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento do mal ou ameaça. Não é mister que ela efetivamente sofra algum dano ou fique amedrontada, basta a idoneidade da ameaça. A tentativa só é possível se na forma escrita contra vítima incapaz, pois, sendo a ação penal condicionada, depende de representação da vítima. OE se esta representa é porque soube da ameaça e, neste caso, a consumação já ocorrera.

Concurso e distinção: ameaçar várias pessoas implica concurso forma de crimes. Neste caso, a representação por vir na constância de qualquer delas, desde que não haja decadência (STF - RTJ 124/1006).

Ação Penal: pública, dependendo da representação do ofendido (Parágrafo único).


SEQÜESTRO E CÁRCERE PRIVADO

Art. 148, CP. “Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de um a três anos.”

Objeto jurídico: liberdade individual de locomoção; direito de ir e vir, liberdade de movimento no espaço.

Tipo objetivo: retirar a liberdade de locomoção, cercear a vítima no seu direito de ir e vir. Seqüestrar é deter ou reter a vítima, impossibilitando-lhe sair do local em que está ou onde foi colocada pelo agente. Realiza-se em campo aberto ou com enclausuramento (amarrar e colocar a vítima num sítio ignorado ou numa ilha). Cárcere privado: colocar a vítima em recinto fechado, com maior restrição de liberdade (numa casa, num quarto, numa cela, no porta-malas do automóvel, etc.)A conduta pode ser comissiva (deter a vítima, levá-la num automóvel e prendê-la numa casa) ou omissiva (reter a vítima, impedindo-a de sair; médico que recusa alta a paciente curado. Se a retenção for para cobrar honorários, caracteriza exercício arbitrário das próprias razões).
Vários são os meios utilizados: violência ou ameaça, uso narcóticos, hipnose e até mesmo fraude (mentira). Se a vítima já tem sua liberdade cerceada legalmente, ocorrerá o crime se a liberdade for cerceada ainda mais. Exs.: acorrentar o preso ou o doente. O consentimento da vítima só exclui o delito se tiver validade. Sendo a vítima débil mental ou menor de 14 anos, o consentimento é inválido. O seqüestro só é delito autônomo quando não for meio para execução de outro crime mais grave (subsidiariedade).

Tipo subjetivo: dolo, vontade de tolher a liberdade de locomoção da vítima, sem nenhuma finalidade específica (ciúme, vingança etc.). Havendo finalidade especial, o crime se transforma (vide abaixo)

Sujeito ativo: crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, sem nenhuma qualidade especial; se ascendente, descendente ou cônjuge, haverá crime será qualificado (§ º, I); se funcionário público, no exercício da função, pode configurar abuso de poder (art. 350, CP) ou de autoridade (Lei n° 4.898/65).

Sujeito passivo: qualquer pessoa, como titular da liberdade de locomoção, incluindo-se a que não pode se movimentar (paralítica ou aleijada), os inconscientes ou insanos, havendo controvérsia com relação a estas últimas. Admite-se que o preso possa ser vítima, quando cerceada sua liberdade de locomoção (amarrado ou acorrentado). Sendo contra o Presidente da República, do Senado, da Câmara ou do STF, enquadra-se na Lei de Segurança Nacional (art. 28, Lei nº 7.170/83).

Concurso e distinção. Obtenção de vantagem ilícita x extorsão mediante sequestro (Art. 159, CPB). Fim corretivo pode caracterizar maus tratos (Art. 136, CP). Se tem como fim a obtenção de determinada conduta da vítima, ocorre o constrangimento ilegal
(Art. 146, CPB).

Consumação e tentativa. O tipo se consuma quando a vítima é privada da liberdade de locomoção por lapso de tempo juridicamente relevante. Não se descaracteriza com posterior libertação da vítima ou sua devolução ao lugar de onde foi subtraída, que apenas influirão na aplicação da pena, como circunstâncias judiciais. Trata-se de crime permanente, em que a consumação se protrai no tempo, permitindo a prisão em flagrante enquanto durar a privação de liberdade da vítima. Sendo crime material, admite tentativa na forma comissiva (arrebatar a vítima para levá-la a confinamento). Na conduta omissiva (retenção da vítima), não há possibilidade de tentativa, uma vez que há consumação mesmo se a vítima é retida por curto espaço de tempo.

Formar qualificadas (§1° - Reclusão, 2 A 5 anos): I) Se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente. Decorre dos laços de sangue ou afetivos. Pai que leva os filhos, desobedecendo a ordem judicial, comete desobediência. Internar a mãe contra vontade em asilo ou casa de saúde configura seqüestro; II) Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital. A razão do acréscimo é a fraude utilizada e o maior potencial de dano. O médico ou diretor de hospital ou casa de saúde poderá ser co-autor ou partícipe; III) Se a privação de liberdade dura mais de 15 dias. A razão do aumento é o maior dano causado à vítima. O prazo é contado na forma do art. 1° do CP, ou seja, contando-se o dia do início.

Formar qualificadas pelo resultado - Preterdolo (§ 2° - Reclusão, 2 A 8 anos): Se o crime resultar em grave sofrimento físico ou moral na vítima, em razão dos maus tratos ou da natureza da detenção.Esse sofrimento revela maior perversidade do autor, ensejando o acréscimo da pena. Maus tratos é a conduta agressiva que causa ofensa à moral, ao corpo, ou à saúde da vítima, mesmo que não cause lesão corporal. A natureza da detenção diz respeito à forma da privação de liberdade, como amarrar a vítima numa árvore, colocá-la em local úmido, insalubre, etc. Ocorrendo lesão corporal leve ou grave há concurso formal com seqüestro simples (posição majoritária). A forma é preterdolosa, distinguindo-se com o tipo de tortura mediante seqüestro (art. 1º, § 4º, III, da Lei nº 9.455/97).

Concurso e distinção: obrigar condutor de veículo a dirigir-se a certo local: art.146Raptar criança para criar: subtração de Incapaz (art. 249). Fins corretivos = maus tratos (Art. 136). Reter a vítima após consumar o roubo: causa de aumento prevista nio Art. 157, § 2°. Inciso V, do CP. Havendo privação de liberdade após a consumação de roubo, sem qualquer liame com a prática da subtração, há concurso material de crimes.


REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO:

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada excessiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringido, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Conceito: consiste na supressão do direito individual de liberdade de escolha de trabalho, impondo a outrem sua vontade e seus caprichos, de forma a tolher por completo a liberdade do trabalhador, impedido, inclusive, de deixar o local de trabalho.

Sujeito ativo: qualquer pessoa.

Sujeito passivo: qualquer pessoa que esteja na condição de contratado, empregado, empreiteiro, operário ou prestador de serviços para outra pessoa, sendo indispensável o vínculo de trabalho.

Tipo Objetivo: Reduzir implica a submissão de uma pessoa a outra, em condições deprimentes e indignas de trabalho, comparável à de escravo.

Tipo Subjetivo: é o dolo, que pode ser direto ou eventual. Consiste na vontade livre e consciente de submeter outra pessoa às suas ordens, suprimindo-lhe a liberdade de escolha de trabalho.

Consumação e tentativa: quando a situação de completa submissão e supressão da liberdade se prolonga por tempo juridicamente relevante. Trata-se de crime permanente, cuja duração se protrai no tempo. Enquanto não desaparecer o estado de
submissão, a consumação não se encerra. Como crime material, admite a tentativa.


VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
Art. 150, CP. “Entrar ou permanecer clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”.

Objeto jurídico: Tranqüilidade doméstica, inviolabilidade da casa, a liberdade individual em relação à habitação.

Tipo objetivo: as condutas descritas são duas: entrar é ingressar, invadir, transpor os limites da casa ou de suas dependências, com todo o corpo, não bastando uma parte do corpo (braço, pema etc.). Permanecer é não sair, continuar no interior da casa e suas dependências, pressupondo entrada lícita. A permanência deve ser por tempo juridicamente relevante, não bastando mera hesitação.

Elemento normativo: contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito. A entrada e a permanência devem ocorrer contra a vontade expressa ou tácita do morador. A vontade tácita é aquela verificável por fatos concretos, como o comportamento e as circunstâncias, que sejam incompatíveis com o consentimento na entrada ou permanência. As condutas descritas podem se efetivar clandestinamente, às ocultas, furtivas, sem a ciência do morador; ou de forma astuciosa, mediante fraude, como fingir ser empregado, músico, convidado, agente de companhia de gás ou telefone, etc. Nessas hipóteses, o dissenso é presumido ou implícito, com base naquilo que normalmente acontece na situação. É uma ficção jurídica.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, inclusive o proprietário do imóvel, se a posse está legitimamente com terceiro. Cônjuge divorciado, empregado(a) que deixa amante penetrar em seu quarto, comete o crime em concurso de agentes (jurisprudência majoritária e Damásio, embora haja disvergência). Anterior tolerância da vítima não afasta o crime. Se praticado por funcionário público, no exercício de suas funções, incide a causa de aumento prevista no § 2º.

Sujeito passivo: Quem de direito é o morador ou o titular do direito de admissão ou exclusão de alguém na casa de que tem o domínio, posse ou detenção. É o dono, inquilino, possuidor legítimo, etc. Regime de subordinação: tratando-se de residência familiar, são titulares do direito de proibição (jus prohibendi) os pais, em igualdade de condições. Sua vontade prevalece sobre os outros moradores subordinados (filhos, serviçais ou terceiro). Os pais podem entrar no quarto dos filhos contra a vontade destes e os patrões podem entrar no quarto dos empregados exclusivamente para fins lícitos e morais.

Regime de igualdade: ocorre se os titulares do jus prohibendi são várias pessoas que habitam a mesma casa, em regime de igualdade, tais como "república" de estudantes, habitações coletivas, prédios de apartamentos, condomínios, etc. Marido e mulher estão em regime de igualdade. Neste caso, todos têm o direito de admissão e de exclusão, condicionado à vontade dos outros. Se há conflito entre os moradores, prevalece a proibição ("melius est conditio prohibendis"). Na ausência dos pais, o jus prohibendi é dos seus dependentes. Os filhos têm direito a excluir terceiros das dependências que lhes pertençam. Subordinados têm o mesmo direito em relação a terceiros. Havendo conflito entre a vontade dos pais e dos dependentes ou subordinados, prevalece a dos pais, se for para fins lícitos. O mesmo ocorre nas comunidades privadas, onde há superior e subordinados. Exs.: escolas, universida-des, pensionatos, ordens religiosas etc. O diretor ou reitor são titulares do direito de admissão ou exclusão. Servidor público, no exercício da função, que adentra a casa do cidadão, fora dos casos permitidos em lei alheia sem as formalidades legais (sem mandado ou fora de hora, excesso na execução do mandado ou diligência) comete o crime previsto no art. 150, § 2º, CP, que prevalece sobre o art. 3º, b, da Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade). O abuso de poder constitui circunstância elementar do crime. Exemplo: prisão, penhora, seqüestro etc.

Conceito de "casa". A própria lei, no § 4º dispõe:
I - qualquer compartimento habitado: apartamento, barraca, maloca etc. Não é necessário que os moradores estejam no local quando do fato. Exemplo: casa de campo. Ausência de moradores não significa casa desabitada.
lI - aposento ocupado de habitação coletiva: quarto do hotel, motel, pensão, cabines de navio etc.
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade: o consultório médico, do dentista, o escritório do advogado etc. Esses estabelecimentos podem ter uma parte aberta ao público, como uma sala de recepção, em que as pessoas podem entrar sem restrição, que estará fora da proteção penal. Aquilo em que for destinado especificamente para o exercício da profissão estará dentro da disposição legal.

Repartição pública não é considerado casa. Dependências: são lugares que complementam a moradia, como o terraço, o quintal, a garagem, o pátio etc. Deve haver uma relação de necessidade com a vida doméstica; caso contrário, não será considerada dependência, como, por exemplo, pastagem ou campo de uma propriedade (poderá ser esbulho possessório - art. 161, § 1º, lI, CP). As dependências deverão estar cercadas, ou com visível obstáculo (muros, telas, correntes etc.), uma vez que não constitui crime transitar por um gramado não cercado.

Exclusão: § 5º: não se compreendem na expressão casa:
I - hospedaria, estalagem, ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo o aposento ocupado (inciso II, § 4º). Um hotel, enquanto aberto, não é passível de violação de domicílio, por exemplo, mas quando fechado, poderá ser. Casa de meretrício, enquanto aberta, não é objeto de crime, mas, quando sem atividade, poderá ser.
II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero. Bar não é casa, cassino clandestino também não.

Tipo subjetivo: dolo, vontade de ingressar ou permanecer na casa alheia, abrangendo a circunstância de ser contra a vontade do agente, ou então mediante clandestinidade ou astúcia. O agente deve saber que atua com o dissenso da vítima. Exclui-se, pois, o dolo eventual. Para a escola tradicional, há necessidade de dolo específico, consistente na contrariedade do dono ou de quem de direito, traduzida na expressão: "clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito".

Consumação e tentativa: o crime se consuma com a entrada efetiva do agente na casa alheia, ou seja, com a transposição do limite que separa o domicílio do exterior. Nessa modalidade, o delito é instantâneo, sendo possível a tentativa. Ocorrerá também a consumação pela permanência daquele que sabe que deve sair. Nessa modalidade, o crime é permanente, exigindo-se um tempo juridicamente relevante, admitindo-se, também, a tentativa. Em ambas as modalidades, é crime de mera conduta, inexigindo qualquer resultado danoso.

Qualificadoras:
(§ 1º): durante a noite, período com ausência de luz solar, intervalo entre o pôr-do-sol e o nascer-do-sol. O conceito de noite não se confunde com o de repouso noturno, que é mais restrito. Como o acréscimo da pena é justificado pela maior dificuldade de defesa do dono da casa durante a noite, não configura a qualificadora se estiver ocorrendo um baile ou reunião festiva.

2º) Crime cometido em lugar ermo: é o local deserto, desabitado, despovoado, afastado, de difícil acesso.

3º) Emprego de violência ou arma, ou quando cometido por duas ou mais pessoas. Trata-se de violência física, exercida contra pessoa ou coisa. A arma deve ser utilizada para intimidar e possibilitar a execução do crime. Quanto ao número de pessoas, basta a co-autoria de duas ou mais pessoas.

Exclusão da antijuridicidade (§ 3º):

Não constitui crime:
I - Entrar ou permanecer em casa alheia ou suas dependências, durante o dia, para efetivar prisão ou diligência, desde que seja com autorização judicial (CF art. 5º, XI). Não é crime a entrada ou permanência, em caso de desastre, ou para prestar socorro a alguém (CF art. 5º, XI), configurando estado de necessidade.
II - A qualquer hora do dia ou da noite, quando um crime está sendo praticado ou na iminência de o ser. Há legítima defesa de terceiro ou prisão em flagrante delito. A expressão abrange também a contravenção penal, por analogia in bonam partem.