sábado, 29 de agosto de 2009

Crimes de Perigo - artigos 130 a 136, CP

Objetivo: capacitar o aluno para distinguir, conceituar, correlacionar, tipificar e justificar os crimes de perigo, estabelecendo diferenças e correlações com os crimes de dano. 2) Distinguir perigo individual (arts. 132 a 136) e perigo comum (arts. 250 a 258).

Crime de dano e crime de perigo - conceito e distinção. DANO é a redução ou supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado. PERIGO implica simplesmente a probabilidade de dano. Não há diferença ontológica entre dolo de dano e de perigo. No primeiro caso, o agente quer provocar um dano efetivo (previsibilidade mais vontade de atingir o resultado). No segundo, o fim visado é criar ou aceitar as condições que impliquem a efetiva probabilidade do dano.

Teoria Objetiva: representa o perigo como um estado de fato ou trecho da realidade.
Teoria Subjetiva: o perigo é meramente uma criação do espírito humano.
Teoria Mista: perigo é realidade objetiva aliada a um juízo mental. O raciocínio lógico e a experiência indicariam certas situações como potencialmente capazes de causar dano ao bem juridicamente tutelado.

Perigo abstrato x perigo concreto. O perigo abstrato é presumido pelo legislador, com base na experiência comum, como resultante natural de certas ações físicas. Perigo concreto ocorre quando a situação de perigo exige demonstração efetiva, ou seja exige que o perigo seja provado.

A doutrina considera certa intensidade do perigo para que se configure o crime. Alguns entendem que há o crime de perigo quando existe a mera possibilidade de dano, mas para a maioria, é necessária a probabilidade de dano.

Perigo comum e perigo individual. Perigo comum ocorre quando o agente coloca em risco simultaneamente um número indeterminado de pessoas ou bens (artigos 250 a 258, Título VIII, Capítulo I). O perigo individual se dá quando o perigo está direcionado a um indivíduo particularizado (artigos 130 a 137, Título I, Capítulo III).

Subsidiariedade: o crime de perigo é sempre subsidiário; ocorrendo dano, este prevalece, absorvendo o perigo.

Perigo de contágio venéreo. Art. 130. “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º.

Somente se procede mediante representação.

Conceito: Consiste em submeter alguém ao risco de contrair moléstia venérea por meio de relação sexual, tendo consciência e vontade dirigida à produção do resultado. Em suma, o agente não se priva da realização do ato sexual, mesmo sabendo, ou devendo saber, ser portador de doença venérea. Assim, ao praticá-lo, expõe o parceiro ou parceira ao risco do contágio.

Objeto jurídico: SAÚDE, isto é, o ser humano, do ponto de vista da sua incolumidade física ou fisiológica.

O que se deve entender por “moléstia venérea?” O art. 130 configura norma penal em branco cuja complementação deve ser buscada nos regulamentos de saúde pública, que arrolam, dentre outras, as seguintes doenças venéreas: sífilis, blenorragia, cancro mole ou cancro venéreo simples, linfogranuloma inguinal ou adenite inguinal superaguda. AIDS não é moléstia venérea, mas doença sexualmente transmissível (DST).

Sujeito ativo: homem ou mulher portador de moléstia venérea. O exercício da prostituição não exclui o crime, porque a saúde é bem indisponível, não se podendo cogitar de consentimento ou aceitação do risco da contaminação. A contaminação pelo cônjuge constitui grave violação do dever matrimonial (Lei 6.515/77, art. 5º) sendo motivo justo para o divórcio.

Elemento subjetivo. A doutrina identifica há três modalidades: a) dolo eventual: o agente sabe estar contaminado; b) culpa stricu sensu, quando o agente não tem certeza, mas deveria saber da contaminação; c) dolo direto de dano ele conhece a contaminação e efetivamente quer transmitir a doença. Em qualquer dessas espécies, fica claro que a ignorância da moléstia exclui o dolo.[1]

Tipo objetivo: a ação física se realiza mediante conjunção carnal ou qualquer dos sucedâneos da cópula normal (felação ou fellatio in ore), coito cunnilingus, pennilingus, annilingus, coito anal e coito inter femora).

Perguntas importantes:
É imprescindível contato físico direto entre os sujeitos? O beijo pode transmitir moléstia venérea? A conduta exige contato corporal direto entre os sujeitos do delito. Se a amante contagia o marido e este a mulher, a primeira responderá pelo contágio do segundo, e este pelo da terceira. Ocorrendo contágio por meio diverso do constato sexual, incide o do art. 131. O beijo voluptuoso pode servir de meio à transmissão de algumas doenças venéreas, tais como a sífilis.

Havendo efetiva transmissão da doença há crime de dano?
Resultando efetiva transmissão da moléstia venérea, tem-se a lesão corporal dolosa (Noronha); Para Damásio e Celso Delmanto há exaurimento do delito; Custódio da Silveira opta por lesão corporal dolosa ou culposa, conforme o animus do agente; Heleno Cláudio Fragoso afirma que se há apenas dolo de perigo e a moléstia é transmitida, o agente responde por simples culpa.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre com a conjunção carnal ou a prática libidinosa, sendo desnecessário efetivo contágio. Admite-se tentativa na modalidade dolosa, mais facilmente detectável na forma do § 1º (dolo direto de dano).

Ação penal. Somente se procede mediante representação da vítima (§ 2º). Trata-se de ação pública condicionada, pois depende necessariamente a manifestaçao expressa da vítima ou de quem a represente como condição de procedibilidade.

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131: “Praticar, com o fim de transmitir moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Conceito, ação física e elemento subjetivo. Distingue-se esta conduta do tipo anterior porque só admite modalidade dolosa, devendo necessariamente estar presente o dolo específico de contagiar (dolo de dano). Portanto, é, de fato, crime de dano e não de perigo. Abrange moléstias venéreas, quando transmitidas por outro meio fora o contato sexual direto, e outras enfermidades graves e contagiosas, tais como tuberculose, tifo, dengue, hanseníase, sarampo, febre amarela, hepatite, entre outras. A tipicidade configura outra hipótese de norma penal em branco, pois sua descrição exige a complementação por normas de saúde pública. O regulamento editado pelo Ministério da Saúde é que irá definir quais são as doenças venéreas, as doenças graves e ao doenças contagiosas, que exigem a notificação obrigatória do médico às secretarias estaduais de saúde. A transmissão pode ocorrer de forma direta (aperto de mão, beijo, aleitamento, etc.) ou indireta (por meio de utensílios, roupas, vasilhames, instrumentos, objetos, etc.). Nesse ponto, difere do art. 130, que só se configura com o contato direto. Se culposa a transmissão, há lesão ou homicídio culposo, conforme o caso.

Perigo genérico ou perigo à vida ou a saúde de outrem.
“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave”.

Conceito. Forma genérica dos delitos do Capítulo IV, do Código Penal, que inclui todas as formas de perigo para a vida ou a saúde não enquadráveis em algum dos tipos precedentes. É delito eminentemente subsidiário, ou de subsidiariedade expressa. denotada pela redação da norma: “se o fato não constitui crime mais grave”.

Objeto jurídico. Vida e saúde da pessoa humana.

Sujeitos do delito. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.

Ação física. Trata-se de crime de ação livre, comissiva ou omissiva, no qual a criação do perigo pode ser proveniente de qualquer ação que coloque em risco a incolumidade física de alguém. O perigo é concreto, exigindo efetiva demonstração em cada caso concretamente apurável.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direito ou eventual, que exigem seja consciência e vontade de expor alguém a perigo ou simplesmente assumindo o risco proveniente do evento perigoso.

Causa de aumento de pena. O parágrafo único, introduzido pela Lei 9.777, de 29.12.98, acrescentou uma forma de agravação da pena cominada ao delito prevendo aumento da pena em um terço se a exposição a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em desacordo com as normas legais. Na verdade, a inspiração original do legislador era justamente conferir proteção aos retirantes da seca nordestina e aos bóias-frias, que eram costumeiramente contratados em suas regiões de origem e levados nos caminhões conhecidos como “pau-de-arara” para a “cidade grande” ou para realizarem a colheita em fazendas.
Mais recentemente, com o problema crônico do transporte de trabalhadores realizado em condições precárias de segurança, que não raro provocam tragédias de grandes proporções, houve por bem o legislador revigorar a norma, introduzindo uma causa especial de aumento de pena quando se caracteriza o transporte perigoso de pessoas realizado em desacordo com as normas legais previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

Conflito aparente de normas.
Disparo de arma de fogo, art. 10, § 3º, Inciso III: "Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave. Pena: um a dois anos de detenção e multa.

Crimes de perigo no trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) criou vários tipos de perigo:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Abandono de incapaz. “Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. Pena: detenção, de seis meses a três anos”.

Objeto jurídico. Especial proteção aos menores, anciãos, incapazes e todas as pessoas com menores possibilidades de se defender sozinhas dos perigos inerenes à vida social.

Sujeito ativo: todo aquele que tem o dever de zelar pela vítima. É, portanto, crime próprio, porque exige essa qualidade especial do agente, que é a relação de dependência com a vitima e o garante ou garantidor.
Esse dever de garantia pode ser decorrente de vários atores:
1) lei, quando cria obrigações impostas a determina relação jurídica, tais como ocorre nas relações de parentesco, na tutela ou curatela de incapazes, e outras;
2) do contrato ou convenção, decorre de uma obrigação contratual assumida por certas especiais como obrigações específicas: enfermeiros, médicos, babás, diretores de colégio, guias de excursão, e outras;
3) qualquer fato, lícito ou ilícito, capaz de gerar a dependência. Consistem em obrigação de cuida decorrente das situações normais da vida social, como o ato de recolher criança abandonada ou se perdeu dos pais, a condução de um incapaz em viagem, a carona dada a um desconhecido, convite a um amigo para caçada, pescaria ou para acampar em lugares perigosos ou simplesmente desconhecidos, e outras situações assemelhadas.

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância ou autoridade?
Nelson Hungria afirmou o seguinte: “cuidado significa assistência a pessoas que, de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente, venham a perder essa capacidade (Ex. o marido é obrigado a cuidar da esposa enferma e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não prescindem dela, e compreende, necessariamente, a vigilância. Essa pode ser alheia (ex. guia alpino vigia a segurança de seus companheiros de ascensão, mas não os tem sob sua guarda). Finalmente, a assistência decorrente da relação de autoridade é a inerente ao vínculo de poder de uma pessoa sob a outra, quer a potestas, seja de direito público, quer de direito privado”.

Sujeito passivo: pessoa incapacitada para enfrentar sozinha os riscos do abandono; quem não tem condições físicas ou psíquicas de cuidar de si. Não se trata de incapacidade civil, mas aquela decorrente da menoridade ou de outras circunstâncias que inabilitem a vítima, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente, para defender-se, sozinha, do estado de abandono, tais como menores, doentes físicos e mentais, velhos, ébrios, entre outros. Eventual consentimento da vítima não exclui antijuridicidade ou culpabilidade, pois a vida e a saúde são indisponíveis.

Tipo objetivo. abandonar significa descuidar, largar, desassistir. Geralmente, é conduta omissiva (deixar de prestar cuidados indispensáveis), mas admite forma comissiva, como ocorre se a vítima é levada para local determinado para então ser colocada em situação de risco. É crime de perigo concreto.

Tipo subjetivo. Dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de abandonar a vítima, ciente dos riscos desse abandono e de que é responsável pela sua segurança da vítima. Portanto, não há tipicidade se o agente ficar à distância, espreitando o abandonado e zelando para que o perigo não acarrete probabilidade de dano. Caso deseje a morte ou lesão, haverá homicídio tentado, lesões corporais ou, eventualmente, infanticídio.

Formas qualificadas (pelo resultado - Preterdolo): se resulta lesão corporal grave ou morte (§§ 1º e 2º). Presente o dolo de dano, configura-se a lesão corporal grave ou o homicídio. A pena é aumentada em um terço se o abandono ocorrer em local ermo ou é praticado contra ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutelado ou curatelado (§ 3º, Incisos I e II).

Conflito aparente de normas. 1) há omissão de socorro (art. 135) quando inexistir relação de dependência; 2) há abandono de recém-nascido (art. 134) se o motivo da conduta for ocultar desonra própria; 3) cogita-se de homicídio ou lesões corporais, consumados ou tentados, se estiverem presentes o animus necandi ou nocendi; 4) Distingue-se, ainda, do crime de abandono material, (art. 244), porque, neste tipo, não se exige perigo para a vida ou a saúde da vítima, havendo apenas o descumprimento de um dever legal de prover o seu sustento.

Exposição ou abandono de recém-nascido
“art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Conceito. Constitui forma privilegiada em relação ao tipo do art. 133, pois, aqui, o sujeito ativo é a própria mãe, que age impelida pela necessidade de resguardar sua própria honradez, ocultando o nascimento de uma criança capaz de lhe proporcionar grave constrangimento no seu meio social, seja qual for a causa (gravidez extramonial, adulterina ou incestuosa, por exemplo).

Objetividade jurídica. A incolumidade pessoal e segurança do recém-nascido.

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, pois só quem é mãe pode cometê-lo ou, excepcionalmente, o pai (no caso de filho adulterino ou incestuoso), posição que é bastante controvertida. Contra ela se levantam, por exemplo, Euclides Custódio da Silveira, Celso Delmanto, Cezar Bitencourt. São a favor Magalhães Noronha, Mirabete e Damásio de Jesus.

Pergunta inquietante: a prostituta pode ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido? NÃO, porque, pela sua qualidade, o nascimento de um filho não acarreta qualquer constrangimento; não tendo, assim, caráter desonroso.

Sujeito Passivo. O recém nascido, havendo controvérsia quanto ao limite de tempo para o fim de considerar recém-nascido. Afirma Hungria: “o limite de tempo da noção de recém nascido é o momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da família”. Magalhães Noronha opina com a expressão ”poucos dias”. Flamínio Fávero considera até sete dias; Fragoso, trinta dias; Mirabete e Damásio, até a queda do cordão umbilical.

Tipo objetivo. Expor significa remover a vítima para local diverso daquele onde é assistido (Damásio); abandonar é omitir-se na prestação de assistência. Alguns entendem, como Delmanto, que se tratam de expressões sinônimas. Para Magalhães Noronha é redundância. Mirabete, mais pragmático, afirma que o legislador procurou apenas evitar dúvidas. Trata-se de crime de perigo concreto, exigindo demonstração de que a vítima ficou exposta a um perigo plausível, capaz de comprometer a saúde ou a vida, por lapso de tempo considerável.

Formas qualificadas. São as formas preterdolosas, nas quais decorre a morte ou lesão grave do recém-nascido(§§ 1º e 2º).

Tipo subjetivo: Vontade de expor ou abandonar recém-nascido, ciente da obrigação de garante e do perigo à sobrevivência da vítima. É dolo direto e específico, onde o fim especial de agir, que configura o chamado elemento normativo da conduta, e a ocultação da desonra própria. No concurso de terceiro, há co-autoria ou participação, pois as circunstâncias elementares do tipo são comunicáveis.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre no momento do abandono, ou seja, quando a vítima fica efetivamente exposta ao perigo. É crime instantâneo, que só admite tentativa na forma comissiva.

Conflito aparente de normas. Homicídio e infanticídio: o primeiro exige o dolo de dano enquanto no abandono o dolo é de perigo. Inexistindo o elemento subjetivo do injusto (ocultação da desonra própria), não havendo relação de parentes (pai/mãe) ou não sendo recém-nascido, ocorre o abandono de incapaz. Também não se confunde com crimes contra a assistência familiar (art. 244 e 247), onde o abandono é moral, e não físico.

Omissão de socorro
“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, socorro à autoridade competente. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”.

Conceito. Trata-se da obrigação moral de amparo e proteção aos mais fracos erigida à condição de dever legal. Na tipificação, estão previstas duas condutas: deixar de prestar assistência e não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

Objetividade Jurídica. Vida e incolumidade física do indivíduo, mediante a tutela da sua segurança.

Sujeito ativo. Qualquer pessoa, existindo ou não vínculo jurídico anterior entre os sujeitos. Se há essa vinculação, configura-se um dos tipos anteriores. Normalmente, há proximidade entre autor e vítima, mas pode ocorrer a omissão se o agente estiver distante da vítima (médico que toma conhecimento de pessoa ferida, necessitando de cuidados, mas não presta assistência). O autor não pode ser responsável pela situação de perigo. Não comete o crime quem fere alguém, seja culposamente ou com animus necandi ou laedendi, deixando-o privado de socorro. No caso, responderá por lesão corporal ou homicídio, doloso ou culposo (aqui, a omissão qualifica o delito art. 121, § 4º e 129, § 7º).

Sujeito passivo. a) criança abandonada ou extraviada: é a vítima das figuras precedentes ou a criança que se perdeu dos pais ou responsáveis; b) pessoa inválida: quem por motivo de doença, deficiência, senilidade, embriaguez, etc., não tem forças para conjurar o perigo. c) pessoa ferida: alguém lesionado, física ou psiquicamente, mesmo sem gravidade. A vítima deve estar desamparada, incapacitada para valer-se a si mesma, necessitando de auxílio, sendo irrelevante seu consentimento.

Tipo objetivo. É crime omissivo puro, realizável por duas condutas: 1) deixar de prestar assistência, quando seja possível fazê-lo sem risco pessoal. O dever de assistência é limitado pela possibilidade e capacidade do sujeito ativo, apuráveis caso a caso; 2) não pedir socorro à autoridade pública. O agente não escolhe entre prestar socorro ou pedir auxílio: essas condutas são ditadas pelas circunstâncias. O pedido de socorro (ao delegado de polícia, pronto-socorro, corpo de bombeiros, etc.) só é admitido quando o agente, por si próprio, não tem condições de prestar socorro, por estar acima de sua capacidade. Não se exige ao sujeito arriscar sua vida ou integridade pessoal, podendo eventualmente configurar-se o estado de necessidade. É comum, nos delitos automobilísticos, alegar temor de linchamento como justificativa da omissão. Isso deve ser demonstrado e provado em cada caso. Se várias pessoas estiverem em condições socorrer, a ação de uma desobriga as demais.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direto ou eventual. Está implícito o elemento subjetivo do tipo, que aé a intenção de se omitir, tendo consciência do perigo a que fica exposto o sujeito passivo em razão dessa omissão.

Consumação e tentativa. O crime se consuma no momento em que o agente deixou de agir quando devia, diante da situação de perigo para a vítima e das condições que permitiriam o socorro sem risco pessoal. A consumação é instantânea. O retorno do agente ao local, prestando o socorro exigido pela situação de perigo não elide a tipicidade. Sendo crime omissivo puro, não cabe tentativa.

Formas qualificadas. Dispõe o parágrafo único: “a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte”.Para que a pena seja agravada, é necessário demonstrar que o resultado não ocorreria e o agente tivesse prestado o socorro. Evidenciado que tal resultado ocorreria independentemente da diligência empregada pelo autor, não se aplica a qualificadora. É bastante discutida a omissão quando a vítima falece instantaneamente após um atropelamento.

Conflito aparente. Havendo dever jurídico do agente em cuidar da vítima, poderá ocorrer outro crime, como o homicídio, as lesões corporais culposas, o abandono de incapaz, etc.

Maus tratos. “Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, ensino tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de 02 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. §3º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.”

Conceito. Trata-se de delito de ação múltipla, pois há várias maneiras de cometê-lo: privação de alimentos ou de cuidados, sujeição a trabalho excessivo ou abuso dos meios de correção e disciplina. Algumas dessas formas não prescindem de habitualidade para sua configuração.

Objetividade Jurídica. Tal como nos artigos precedentes, tutela-se a incolumidade física da pessoa humana (vida e saúde), que não deve ficar exposta a perigo. O ECA criou duas figuras penais muito parecidas, além de criar a figura qualificada do § 3º. (arts. 232 e 233, da Lei 8.069 –ECA).

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por parte de quem tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. É mister a existência de prévia relação jurídica de natureza subordinante entre agente e vítima, podendo essa relação ser natureza civil ou administrativa. Exs. Pais, tutores, curadores, professores, patrões enfermeiras, carcereiros, etc. Essa subordinação deve estar ligada a atividades educativas, tratamento ou custódia.

Sujeito Passivo. Quem está sob autoridade, guarda ou vigilância do autor: filhos, pupilos ou curatelados, discípulos, empregados, enfermos, presos, etc. A mulher não pode ser vítima desse crime, uma vez que esta sempre estará subordinada ao agente, para fins de educação (atividade docente para aperfeiçoar a capacidade individual), ensino (no sentido restrito do termo, ou seja, educação básica), tratamento (cuidados médicos ou responsabilidade pela subsistência da vítima) ou custódia (detenção física da vítima, autorizada na lei).

Tipo objetivo. Crime de ação múltipla, admitindo várias formas de cometimento. Maus tratos são condutas que expõem a vida e a saúde da vítima através de uma das formas previstas no tipo, a saber:
a) privação de alimentos ou cuidados indispensáveis. Exige reiteração de conduta;
b) sujeição à trabalho excessivo ou inadequado;
c) abuso dos meios de correção ou disciplina

Tipo Subjetivo. Exclusivamente doloso, exige a vontade deliberada e consciente de praticar qualquer uma das ações descritas no tipo. Não há vontade de lesionar, mas apenas o dolo de perigo, consubstanciado na consciência do agente de estar expondo sua vítima à probabilidade concreta de um dano físico ou psicológico.

Consumação e Tentativa. Consuma-se o crime quando presente a situação de perigo. Trata-se de perigo concreto, que deve ser aferido em cada caso. Algumas modalidades exigem reiteração de conduta; outras, basta uma só ação para configurar o crime. Admite-se a tentativa nas formas comissivas.

Excludente de criminalidade. Estado de necessidade: a jurisprudência tem admitido a exclusão de crime quando os pais humildes necessitam trabalhar, deixando filhos amarrados ou presos dentro de casa.

Formas Qualificadas: §§ 1º e 2º.

Causa especial de aumento de pena: § 3º.

[1]NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1996. v 2, p 85.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Notícias interessantes. Homicídio Sem Corpo - O Caso Michelle

A história sempre destacou alguns julgamentos, especialmento no Tribunal do Júri, que se tornaram célebres e marcaram para sempre a vida de seus protagonistas e a própria história do Direito Penal. O enforcamento de Manuel da Mota Coqueiro, a Fera de Macabu, foi um desses julgamentos que serviram de divisor de águas, sinalizando o fim da pena de morte no País. Depois de condenado por assassinato, Manuel foi executado. Mas, posteriormente, o verdadeiro assassino confessou o crime. Esse erro judiciário marcou profundamente o reinado de D. Pedro II, um humanista convicto, que ficou tão impressionado que nunca mais permitiu a execução de nenhum condenado à morte, o que era muito comum naqueles tempos difíceis. Mas a abolição formal da pena capital só veio a ocorrer com a primeira Constituição republicana.
O Caso dos Irmão Naves, ocorrido em Araguari, MG, é outro exemplo: os irmãos Naves, Sebastião e Joaquim, foram julgados e condenados em dezesseis anos de reclusão pelo assassinato do primo, Benedito Pereira Caetano, recebendo livramento condicional depois que cumpriram pouco mais de metade da pena. Mas, depois de solto, Sebastião procurou de todas as formas provar sua inocência e eis que, por coincidência, a suposta vítima, Benedito, vem a ser reconhecida na cidade de Nova Ponte. O caso marcou a história do Direito Penal no Brasil como um dos maiores erros judiciários de que se tem notícia.

Desde o caso dos irmãos Naves, sempre se discutiu muito intensamente a possibilidade de se provar a morte por outro meio que não seja o laudo pericial de exame cadavérico. Masm em Brasília, o assassinato da jovem Michelle reacendeu a polêmica e representa hoje um marco na história do judiciário de Brasília. Apresentamos aqui um histórico do caso na versão do noticiário dos jornais da época. Recomenda-se a leitura.

Jornal de Brasília, 03/08/99 - Justiça, por Jairo Viana, repórter.

Onde está o corpo de Michelle?

Esta pergunta só o policial civil José Pedro da Silva poderá responder. É o que deve dizer o delegado de Homicídios, Luiz Julião Ribeiro, em seu depoimento perante a juíza substituta da Vara do Júri de Ceilândia, Ieda Garcez de Castro Dória, no próximo dia 13. O delegado está convencido que José Pedro matou e escondeu o corpo de Michelle. Julião e outras 14 testemunhas serão ouvidas sobre o desaparecimento e morte da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, 16 anos, tida como assassinada e o corpo escondido pelo policial. José Pedro está denunciado pela promotora de justiça de Ceilândia, Sandra Bernardes, como incurso nos artigos 121 e 211 do Código Penal por homicídio qualificado e ocultação do cadáver de Michelle, com quem mantinha um romance secreto. Michelle estaria grávida do policial, que a teria matado para não pagar pensão alimentícia da criança e evitar um escândalo com a família. Pois, além de casado pela segunda vez, ele é meio-tio da adolescente. A estudante foi vista pela última vez, no dia 10 de julho do ano passado, quando entrava em um carro Ômega, idêntico ao do policial, perto de sua casa. José Pedro nega qualquer envolvimento com a estudante, mas o exame do DNA feito na mancha de sangue encontrada no porta-malas do veículo do policial deu positivo, como sendo de Michelle. José Pedro não explica. Por isso, poderá ser o primeiro caso em que o réu vai a júri popular, no Brasil, sem o corpo, mas com uma prova 98% segura, o do DNA.

JORNAL DE BRASÍLIA, Sexta-feira, 13/08/99

A juíza de Direito da Vara do Júri de Ceilândia, Ieda Garcez de Castro Dória, tomará os depoimentos, hoje, a partir das 13h, de 15 testemunhas de acusação do caso da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, 16 anos. Colegas de escola da vítima vão relatar o envolvimento amoroso de Michelle com o acusado pela morte da jovem e ocultação do cadáver, o policial civil José Pedro da Silva, 39 anos, que está afastado do cargo. Entre as testemunhas está o ex-sócio de José Pedro, Alfredo Oliveira Filho. Ele poderá ser preso por falso testemunho, pois contou uma história à polícia, depois mudou a versão e, posteriormente, voltou atrás. No entanto, o depoimento mais aguardado é o do delegado de Homicídios, Luiz Julião Ribeiro. Ele e sua equipe trabalharam com afinco durante mais de sete meses para derrubar a versão do policial, de que não mantinha qualquer relação amorosa com a garota. Ele vai dizer que a maior prova colhida contra José Pedro é o exame do DNA da mancha de sangue encontrada no porta-malas do veículo do policial, que o IML comprovou ser de Michelle.

03/09/99 JORNAL DE BRASÍLIA (Justiça, por Jairo Viana)

Juiz se diz incompetente
A audiência de 15 testemunhas de acusação no Tribunal do Júri de Ceilândia, no caso Michelle de Oliveira Barbosa, marcada para hoje, foi suspensa. O juiz Almir Andrade Freitas declinou da competência para julgar a ação penal movida contra o policial civil José Pedro da Silva, afastado do cargo. A decisão do magistrado surpreendeu o Ministério Público e o assistente de acusação. O advogado Israel Pinheiro Torres disse que vai analisar a decisão do juiz para depois decidir se recorre ou não ao Tribunal de Justiça. Apesar de o teor da sentença não ser ainda conhecido, sabe-se que o juiz entende que não está claro nos autos do processo o local onde teria ocorrido o crime. Por isso, com base no Código de Processo Penal, acha que o processo deve ter andamento na jurisdição do domicílio do réu, ou seja, no Tribunal do Júri de Brasília, uma vez que o policial acusado mora no Park Way. O juiz é o mesmo que suspendeu a audiência marcada para o dia 13 de agosto, sob a alegação de aguardar a decisão do Tribunal de Justiça sobre o pedido de trancamento da ação, solicitado pelo advogado de defesa de José Pedro. O Tribunal negou o pedido. José Pedro está denunciado por crime de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver, pelos quais poderá ser condenado a até 33 anos de prisão.

Jornal de Brasília, 10/09/99 (Justiça Jairo Viana)

Caso Michelle.
A decisão do juiz do Tribunal do Júri de Ceilândia, Almir Andrade Freitas, de desaforar (transferir) o processo para Brasília, vai, no mínimo, atrasar o julgamento do caso Michelle de Oliveira Barbosa, a estudante que a polícia acredita ter sido assassinada e o cadáver ocultado. Testemunha de acusação que reside fora do DF já havia se deslocado para prestar depoimento, mas a audiência foi suspensa na véspera da inquirição. Com as marchas e contramarchas do processo, que este não entre para a galeria dos crimes impunes, pois a família da vítima clama por justiça.

JORNAL DE BRASÍLIA, 10/12/99 (Justiça, Jairo Viana).

Caso Michelle
O processo criminal contra o policial civil José Pedro da Silva, 39 anos, terá prosseguimento na próxima segunda-feira, a partir das 9h. A juíza do Tribunal do Júri de Brasília, Leila Cury, vai ouvir 15 testemunhas de acusação do caso. O policial afastado das funções foi denunciado à Justiça por homicídio duplamente qualificado e ocultação do cadáver da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, então com 16 anos de idade, com quem mantinha um romance secreto. Michelle é filha do fotógrafo de O Globo, Givaldo Barbosa. O crime ocorreu dia 10 de julho do ano passado. José Pedro era processado pelo Tribunal do Júri de Ceilândia, mas o juiz declinou da competência e transferiu a ação para o Júri de Brasília, uma vez que o domicílio do acusado é o Park Way. Um dos depoimentos mais aguardados é o do ex-sócio de José Pedro, Alfredo Oliveira Filho, o Baiano, que deu declarações contraditórias à polícia. Ele poderá ser preso por falso testemunho. O delegado de Homicídios, Luiz Julião Ribeiro, vai traçar o perfil do acusado e confirmar os detalhes da apuração que o levou a indiciar o policial pelo crime. A principal prova que pesa contra José Pedro — além das declarações das colegas de escola de Michelle, que sabiam do romance secreto entre os dois, mas que ele nega —, é o exame de DNA na mancha de sangue encontrada no porta-malas do veículo do policial, que confirmou ser da adolescente

CORREIO BRAZILIENSE, 14/12/99. Cidades pág. 2

Testemunhas falam sobre caso Michelle
O primeiro a ser ouvido no Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi o delegado Luiz Julião Ribeiro. Ele presidiu o inquérito sobre o assassinato de Michelle Barbosa. A garota tinha 16 anos em 10 de julho de 1998, quando desapareceu. Apesar de seu corpo nunca ter sido encontrado, as evidências de que foi assassinada são muito fortes.
O delegado foi a primeira das 15 testemunhas que seriam ouvidas pela juíza Leila Cury ontem. O réu, o policial civil J.P.S., que tinha 34 anos na época, é acusado de seduzir, manter um romance com Michelle por mais de um ano e assassiná-la por causa de uma suposta gravidez da garota.
A primeira testemunha revelou detalhes do inquérito. ‘‘Desde o início, as investigações só levaram a essa linha que aponta para o réu. Nenhuma outra linha de investigação foi tomada’’, disse o delegado.
Segundo o depoimento de Julião, o réu teria pedido para um amigo, Alfredo Oliveira Filho, o Baiano, confirmar uma história fictícia na 23ªDelegacia de Polícia (Ceilândia Sul), onde começaram as investigações sobre o desaparecimento da menina.
O caso já era acompanhado pela Delegacia de Homicídios. Baiano serviria como álibi do policial. ‘‘O Baiano começou a forjar um álibi em entrevista informal. Mas, pelo que dissera, ele não sabia da gravidade da história. Quando soube que se tratava de um assassinato, voltou atrás’’, afirmou Julião.
Contou também que foram feitas duas vistorias no carro do réu, um Ômega escuro. Um vigia da Telebrasília afirmou que pouco antes de Michelle desaparecer, viu a garota entrando em um carro idêntico ao do réu, dirigido por um homem de trinta e poucos anos, cabelo grisalho e 1,75m de altura.
No segundo exame, peritos do Instituto de DNA Forense constataram pequenas manchas de sangue no carpete do porta-malas e verificaram que pertencia a um dos descendentes dos pais de Michelle. Os pais de Michelle só tinham dois filhos e já foi descartada a hipótese de o sangue ser do outro filho do casal.
A mãe de Michelle, Aparecida Barbosa, também prestou depoimento. Sobre J.P.S., contou que sempre achou muito estranho o jeito como ele olhava para adolescentes, ‘‘principalmente para Michelle’’. Apesar disso, ela nunca notara qualquer aproximação entre os dois, que se conheceram em uma festa na casa dos pais de Michelle. A garota fazia 15 anos, em 7 de junho de 1997.

Jornal de Brasília, 14/12/99 - Nossa Cidade pág. 6-B.

Colegas da garota depõem e complicam policial civil
Elas confirmam que estudante tinha um caso com agente de polícia, suspeito de tê-la matado e ocultado o corpo.
A estudante Michelle de Oliveira Barbosa, 16 anos, morreu por amar demais. Esta é a conclusão de suas colegas de escola. Elas prestaram depoimento, ontem, à juíza da Vara do Júri de Brasília, Leila Cury, e confirmaram que a adolescente estava apaixonada pelo policial civil José Pedro da Silva, 39 anos.
José Pedro é acusado de ter assassinado e ocultado o cadáver da estudante. Ele pode ser o primeiro brasileiro a ir a júri popular, com base no exame de corpo de delito feito pelo DNA do sangue encontrado no porta-malas do veículo do policial.
Uma das testemunhas mais importantes, entre as 15 que prestaram depoimento, ontem, foi a prima e confidente de Michelle, Meirilene Oliveira Neves, 18 anos. Ela contou detalhes sobre os relacionamento amoroso entre o réu e a vítima, que José Pedro nega. Segundo Meirilene, Michelle era virgem quando conheceu o policial, que a levou pela primeira vez a um motel.
As outras colegas também confirmaram a paixão desenfreada que a adolescente sentia pelo policial e as inconfidências sobre as idas a motéis da cidade. De acordo com elas, Michelle era uma moça caseira, de poucas amigas, que nunca teve namorado. Mas que ficou apaixonada pelo policial, com quem mantinha um romance secreto.
Meirilene disse que Michele suspeitou que estivesse grávida de José Pedro, no final de 1997. E que o policial queria que ela abortasse. No entanto, um mês antes do seu desaparecimento, no dia 10 de julho do ano passado, Michelle ligou para ela, feliz da vida, para contar que desta vez era para valer. Estava grávida, pois havia feito o teste com um kit de farmácia. Ia contar tudo para José Pedro e para os familiares, mas temia a reação dos dois lados, pois o policial é casado pela segunda vez.
Num depoimento espontâneo, Meirilene disse à juíza que, certa vez, quando visitava a prima, saiu na companhia do casal. Foram a uma sorveteria e, na volta, José Pedro a assediou sexualmente. Falou que ela era bonita, e passou a mão em suas pernas, enquanto Michelle testava cartões em um telefone público. Ela recusou e, quando chegaram em casa, contou tudo a Michelle, que chorou muito.
No entanto, o depoimento mais contundente e rico em detalhes, foi o do delegado de Homicídios, Luiz Julião Ribeiro. Ele falou das versões contraditórias do ex-sócio do policial, Alfredo Oliveira Filho, Baiano. A princípio, Baiano sustentou a versão do álibi de José Pedro, segundo a qual eles estariam juntos no horário em que Michelle desapareceu.
Porém, depois que ficou sabendo que poderia ser processado por falso testemunho, voltou atrás e contou a verdade. Ou seja, segundo Baiano, foi José Pedro quem lhe pediu para sustentar a versão e confirmar o álibi falso dele.
Luiz Julião detalhou ainda como foi realizada a coleta de material para o exame do DNA, na mancha de sangue encontrada no porta-malas do veículo de José Pedro. O Omega placa JEF-4049-DF, semelhante ao veículo em que um vigia da Telebrasília viu Michelle entrando, por volta de 18h10, do dia 10 de julho de 98, quando foi vista com vida pela última vez.
De acordo com a perita do Departamento de DNA da Polícia Civil, Karla Angélica Alves de Paula, o teste constatou com 72,82% de certeza, que os vestígios de sangue encontrados no porta-malas do carro de José Pedro são de Michelle.
O promotor de justiça Rômulo Douglas Gonçalves de Oliveira disse que está convencido, pelas provas do processo, que José Pedro é o autor do homicídio e ocultação do cadáver da estudante. "Foi um crime bárbaro. Os indícios apurados contra o réu e as contradições dele, que nega o óbvio, convencem-me da autoria do homicídio", afirmou.
A única coisa estranha durante a audiência de ontem, realizada no auditório do Tribunal do Júri, foi a regalia concedida ao réu pela juíza, a pedido do advogado de defesa, Edmilson de Menezes. Ao invés de sentar-se no local próprio para os réus, José Pedro permaneceu na bancada da defesa, onde ficam os advogados. E a todo tempo cochichava ao ouvido e trocava impressões com o advogado. Mais parecida atuar na própria defesa. Jairo Viana

JORNAL DE BRASÍLIA, 25/02/00

Demitido o policial suspeito
O policial civil José Pedro da Silva, 40 anos, foi demitido da função, por improbidade administrativa e comprometimento da imagem da instituição policial. Ele será expulso dos quadros da Polícia Civil. O decreto de demissão foi assinado pelo governador Joaquim Roriz, na quarta-feira, e publicado, ontem, no Diário Oficial do DF. José Pedro estava afastado da função, com vencimentos integrais, desde o ano passado, por determinação do então secretário de Segurança Pública, Paulo Castelo Branco.
O policial foi demitido com base em processo disciplinar, instaurado pela Secretaria de Segurança Pública. No relatório, o presidente da Comissão Disciplinar, João Batista da Silva, concluiu que José Pedro infringiu os preceitos do artigo 43, incisos oito e 53, da Lei nº 4.878/65 (Estatuto do Policial), por exercer atividade estranha à função que ocupava.
De acordo com o relatório, José Pedro feriu ainda, o artigo 132, inciso IV da Lei nº 8.112/90 (Estatuto do Servidor Público) e o artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (da improbidade administrativa). Todos eles prevêem a pena de demissão do cargo.
José Pedro da Silva responde a processo criminal, acusado pela morte e sumiço da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, então com 16 anos de idade. Ela era filha do jornalista de O Globo, Givaldo Barbosa e Aparecida Aprígio Barbosa. O policial está denunciado pelo Ministério Público por crime de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver, pelos quais poderá ser condenado a pena superior a 33 anos de prisão.
O processo está em andamento na Vara do Júri de Brasília, onde já foram ouvidas 13 testemunhas de acusação. E a maioria delas confirmou o envolvimento amoroso do policial com a estudante, que desapareceu no dia 10 de julho de 98, após ser vista entrando no carro de José Pedro, próximo à residência da família, em Ceilândia. O policial poderá ser levado a júri popular ainda este ano.
Segundo as colegas de escola de Michelle, José Pedro, embora casado pela segunda vez, mantinha um romance secreto com a estudante, que era apaixonada por ele, e estaria grávida. Motivo que levou o policial a matá-la para não pagar pensão alimentícia. Desde que a garota desapareceu, o policial nega qualquer envolvimento com ela. No entanto, as provas testemunhais e materiais apontam para José Pedro como autor do desaparecimento e assassinato da estudante.
A prova mais forte colhida pela polícia contra José Pedro é o exame de microvestígios da mancha de sangue encontrada no porta-malas do veículo do policial. O exame de DNA deu positivo para o sangue de Michelle, ou seja, descendente direta de Givaldo e Aparecida, com 98% de certeza.
Para comprovar a fidelidade do exame, foi realizada a contraprova com o sangue do outro filho do casal, Cristiano de Oliveira Barbosa, que deu negativo para o sangue encontrado no porta-malas do veículo do policial.
José Pedro, que além de policial, que conhece os meandros das investigações, é formado em Direito, fato que facilita sua defesa. Por isso, ele tenta transformar o assunto em outro caso Dana de Teffé, no qual o advogado carioca Leopoldo Heitor foi absolvido por falta de provas, porque o corpo da milionária não foi encontrado. Pedro só esqueceu que a ciência evoluiu e agora existe o exame de DNA, uma prova irrefutável.
Jairo Viana, Repórter do Jornal de Brasília

26/09/00 - Correio Braziliense - Cidades pág. 16
Clarissa Lima, da equipe do Correio

Policial será julgado
Em decisão rara, juíza manda a júri popular acusado da morte da estudante Michelle Barbosa, cujo corpo nunca apareceu. Exame de DNA é a prova chave

O policial civil José Pedro da Silva, principal suspeito da morte da estudante Michelle Barbosa, 16 anos, será julgado em júri popular. A decisão foi anunciada ontem pela juíza do tribunal do júri, Leila Cury, que admitiu, paralelamente, o direito do acusado de responder o processo em liberdade. Em seu despacho, a juíza reafirmou a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de agosto de 1999, que considerou haver provas suficientes para indiciar o acusado.
O fato do corpo de Michelle Barbosa jamais ter sido encontrado transformou o caso numa novela judicial. O crime foi cometido em 10 de julho de 1998. Apresentada a denúncia no Fórum de Ceilândia, o processo acabou sendo remetido para exame do Tribunal devido a recurso impetrado pela defesa do acusado. A decisão de rejeitar a apelação e acatar a denúncia desaguou em outra controvérsia, quando o juiz de Ceilândia, Almir Andrade, julgou-se incompetente, argumentando não estar claro o local do crime.
A decisão de ontem da juíza Leila Cury põe novamente o processo em andamento, constituindo um caso raro na justiça brasileira. Até hoje, apenas dois processos foram julgados nas mesmas circunstâncias. Em um deles o acusado foi inocentado. No outro, condenado. Em 1998, o réu Daci Antonio foi sentenciado a 13 anos de prisão pela morte de Denise Lafetá, em Uberlândia (MG). Os dois mantinham um relacionamento amoroso. Já em 1964, Leopoldo Heitor foi absolvido pelo assassinato de Dana de Teffé. Os corpos das duas vítimas até hoje não foram localizados.
Na época, não havia exames de DNA para ajudar na elucidação de crimes. No caso de Michelle, o exame é a principal prova. Restos de sangue da vítima foram encontrados no carro do policial, um VW Ômega. O exame pericial comprova que a mostra é de sangue de Michelle e não de outro integrante de sua família, como afirma a defesa de José Pedro, sustentando que a prova teria sido forjada. O exame pericial mostra, porém, que não há possibilidades do sangue ser de outro integrante da família Barbosa, como deixa claro a juíza em sua sentença. ‘‘O teste do DNA representa o exame de corpo delito’’, afirma o promotor Rômulo Douglas, responsável pelo caso.
Em um despacho de 18 páginas, a juíza Leila Cury afirma: ‘‘Me convenci, inequivocamente, da existência do crime que vitimou Michelle, assim como me convenci dos indícios que apontam na direção do acusado (José Pedro Leal) como sendo seu autor’’. O texto ressalta ainda que há contradições nos depoimentos de José Pedro prestados na Delegacia de Homicídios e perante a Justiça.
O acusado depôs no ano passado, no Fórum da Ceilândia, e negou negando não apenas participação no crime, como também envolvimento com a vítima. Segundo testemunhas, Pedro e Michelle estavam tendo um caso amoroso e a vítima estaria grávida. Há provas de oito visitas do casal a três motéis do DF. Também há provas da troca de telefonemas, obtidas com a quebra do sigilo telefônico do acusado.

Jornal de Brasília, 26/09/00

Exame de DNA leva policial a júri popular (Jairo Viana)

Brasília será palco do primeiro julgamento em Tribunal do Júri do País com base na prova do exame de DNA. A juíza Leila Cury mandou a júri popular o policial civil demitido a bem do serviço público, José Pedro da Silva, 40 anos, em sentença de pronúncia concluída na sexta-feira passada. José Pedro é acusado de matar e ocultar o cadáver da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, então com 16 anos, filha de Aparecida e Givaldo Barbosa, fotógrafo do jornal O Globo.
A prova mais contundente apurada pela polícia contra José Pedro, além dos depoimentos de colegas e amigos, foi a descoberta de uma mancha de sangue no porta-malas do veículo do ex-policial. Os exames de realizados por duas legistas do IML constataram que o sangue pertencia a Michelle. Outra prova convincente são fios de cabelo da estudante encontrados no veículo do ex-policial.
José Pedro, que nega o fato, vai sentar-se no banco dos réus como acusado pela prática de homicídio qualificado e ocultação de cadáver, crimes previstos nos artigos 121 e 211 do Código Penal. Ele poderá ser condenado a pena que vai de 12 a 30 anos de prisão, em regime fechado. A juíza tomou a decisão dois anos e 72 dias após o desaparecimento misterioso de Michelle.
A motivação do crime, de acordo com o Ministério Público, foi fútil, resultado da "insensibilidade moral do denunciado, que eliminou a existência da vítima para evitar futuro pedido de pensão alimentícia e problemas em seu casamento, uma vez que ela alegava que estava grávida e reivindicava que ele assumisse o relacionamento adúltero que mantinham". Além de ser 22 anos mais velho que Michelle, José Pedro era casado pela segunda vez.
Michelle desapareceu de casa, no Setor P Sul de Ceilândia, no dia 10 de julho de 1998, após receber um telefonema. Levava apenas a chave do portão de casa. A estudante foi vista pela última vez, pelo vigia da Telebrasília, Wilson Macedo, quando entrava num carro Ômega escuro, na companhia de um homem de cabelos curtos e grisalhos. O veículo e a característica da pessoa que a acompanhava coincidem com a descrição de José Pedro.
Para chegar a José Pedro, a polícia ouviu 13 testemunhas, colegas e amigas de Michelle. Todas contaram sobre o relacionamento amoroso entre os dois. "Michelle era apaixonada por José Pedro, com quem perdeu a virgindade", contou uma das colegas e confidentes da estudante. Ele a levava constantemente aos motéis do Núcleo Bandeirante, durante o dia, contou a maioria dos colegas que ouviam a descrição entusiasmada da adolescente sobre suas idas a motéis na companhia do ex-policial.

JORNAL DE BRASÍLIA - Edição de Domingo - 09/09/01 (Jairo Viana)

O julgamento que pode mudar a lei

É o primeiro caso de homicídio que vai a Júri tendo como prova exame de DNA, pois corpo não foi encontrado.

O julgamento de um homem acusado de homicídio, pelo Tribunal do Júri de Brasília, o primeiro caso na história forense com base no exame do DNA, poderá abrir precedente para a mudança no Código de Processo Penal (CPP). A opinião é do promotor de Justiça, Rômulo Douglas Gonçalves de Oliveira, que atua no processo.
Ele está seguro de que o uso dos avanços da ciência no Direito Criminal é uma questão fundamental, no século que se inicia. Uma vez que o CPP, escrito há 60 anos, não contempla os avanços científicos, como o exame do DNA.
Prova disso é que o artigo 158 exige o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, como homicídio e lesão corporal, sob risco de nulidade. Embora o artigo 167 do mesmo diploma legal afirme que o exame pode ser suprido pela prova testemunhal.
Doutrinadores do Direito, como Costa Manso, Frederico Marques e Victor Nunes Leal, criticam a exigência legal. Para eles, se a materialidade de um crime só for comprovada com o exame do corpo de delito, "corre-se o risco de premiar o assassino inteligente. Que mata a pessoa, oculta o corpo para fugir à sanção penal".
"A legislação precisa ser revista à luz dos avanços científicos, para que o Direito não fique para trás na evolução", defende Douglas Gonçalves. Para ele, "falta no Brasil uma legislação sobre o DNA. A lei processual penal está ultrapassada para o estágio científico a que chegamos", avalia.
O promotor explica que o DNA forense fornece resposta segura para diversos questionamentos do Direito objetivo. Na questão do exame de paternidade ele já está consagrado. No entanto, no que diz respeito ao aspecto criminal é como se não existisse.
Para Douglas, o caso em exame na Justiça do DF levanta a falha no processamento criminal brasileiro, que precisa ser observada e corrigida pelo legislador, durante a reforma do CPP, para que seja atualizado. O exame de DNA foi realizado no sangue encontrado no carro do acusado.
Promotor está convicto da culpa
Uma vitória contra o ardil de um acusado frio e calculista, de personalidade prepotente e autoritária. Assim o promotor Douglas Gonçalves considerou o julgamento unânime da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que confirmou a sentença de pronúncia da juíza Leila Cury, contra o ex-policial civil José Pedro da Silva, por crime de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. José Pedro, que nega o crime, foi expulso da polícia.
"As provas levantadas pela polícia contra o acusado são veementes, e não deixam dúvida sobre a materialidade e a autoria do crime", observa o promotor. "O falso álibi, os laudos periciais, os depoimentos das testemunhas e, principalmente, o exame do DNA dos vestígios de sangue encontrados no porta-malas do veículo do ex-policial, não deixam dúvida sobre a culpa de José Pedro", garante Douglas Gonçalves.
Para ele, os desembargadores agiram com segurança ao confirmarem a sentença de pronúncia, que remete para o Tribunal do Júri Popular o julgamento do caso, que escandaliza a sociedade de Brasília.
Consta dos autos do processo que, no dia 10 de julho de 1998, por volta de 18h, José Pedro, após ligar para a residência da estudante Michelle de Oliveira Barbosa, então com 16 anos, estacionou o carro próximo ao posto da Telebrasília, em Ceilândia. A moça foi vista com vida, pela última vez, entrando no veículo do ex-policial.
Até então, os pais de Michelle, o fotógrafo de O Globo, Givaldo Barbosa e Aparecida Aprigio Barbosa, sequer desconfiavam que a filha mantinha um romance secreto com o ex-policial, casado pela segunda vez e pai de dois filhos.
Depois do desaparecimento é que as amigas e colegas de escola contaram o segredo que mantinham a sete chaves. Michelle, revelaram suas amigas, estava apaixonada por José Pedro. Havia se engravidado e exigia uma solução para o relacionamento, sob a ameaça de contar para os pais e a mulher dele, então grávida também.
Sob cerco, José Pedro teria decidido eliminar a moça, para não complicar seu casamento e evitar o pagamento de pensão alimentícia ao filho que ia nascer, acredita o promotor.
Para fugir da condenação o então policial, que conhece as técnicas de investigação, além de ser formado em Direito, ocultou o cadáver, segundo acredita o promotor. Ele só não contava com a revolta dos próprios companheiros de profissão com o crime hediondo.
A equipe da Delegacia de Homicídios, sob o comando do delegado Luiz Julião Ribeiro, levantou todas as provas, derrubou o falso álibi e pediu os laudos periciais, que robusteceram a denúncia do Ministério Público.
Acuado com a confirmação da pronúncia pelo TJ, José Pedro ainda pode recorrer ao STJ. No entanto, o recurso pode ser uma faca de dois gumes contra o ex-policial. Se os ministros mudarem a decisão pode reforçar a defesa, mas se confirmarem a sentença, será mais uma prova contra ele, mais dados para colocá-lo atrás das grades. O fim da impunidade.

As provas de um crime

Corpo de delito – É feito direta ou indiretamente. São as provas circunstanciais do crime. O exame do cadáver da vítima, feita por médico legista e as peças levantadas no local do crime. Ou com base no depoimento das testemunhas, que tenham visto o crime.
DNA – Ácido desoxirribonucléico. Molécula que contém a informação genética, formada por duas cadeias polinucleotídicas constituídas por um açúcar (adesoxirribose), um grupo fosfato e uma base nitrogenada (timina, adenina, citosina ou guanina. De acordo com o Dicionário Aurélio.
Exame de DNA – É feito por especialista com pós-graduação em genética e biologia, com base no sangue ou saliva da pessoa ou dos pais. Seu resultado tem 99,99% de segurança e a margem de erro é de uma em um milhão. É realizado por especialista em DNA forense, que em Brasília é feito com microscópio eletrônico do Instituto de Medicina Legal (IML). É uma perícia que revolucionou a investigação do vínculo genético (parentesco).

Policial frio e calculista
Vinte e dois anos mais velho que Michelle, o ex- policial civil e advogado José Pedro da Silva é tido como homem frio e calculista. De acordo com o promotor de Justiça Rômulo Douglas Gonçalves, "ele tem personalidade violenta e autoritária". É como o seu perfil emerge dos autos do processo, a partir de depoimentos de testemunhas.
Casado duas vezes, José Pedro "sempre esteve envolvido com adolescentes e meninas de pouca idade", inclusive chegou a assediar colegas de escola de Michelle.
No entanto, embora as provas colhidas contra ele sejam veementes, o policial expulso das fileiras da corporação, nega peremptoriamente qualquer ligação amorosa com a adolescente.
Aproveitou-se da proximidade com a família da moça – a mãe de Michelle, Aparecida Barbosa, é irmã de um cunhado de José Pedro –, para seduzi-la, desencaminhá-la e depois assassiná-la, para não pagar pensão alimentícia e não complicar o casamento, como consta do processo. Até hoje não confessou onde escondeu o corpo.
As provas contra o ex-policial vão do levantamento das entradas em motéis, as chamadas telefônicas para Michelle, inclusive no dia do seu desaparecimento, o testemunho de 12 colegas dela sobre o relacionamento e a possível gravidez.
Moça simples e caseira (não tinha namorado), Michelle se apaixonou perdidamente pelo homem errado, que não quis assumir o filho do relacionamento.
Como é o Júri Popular
No Júri Popular, quem julga o acusado é a sociedade. O processo começa na polícia com a instauração do inquérito. Se a polícia consegue provas, o caso é encaminhado à Justiça com o indiciamento do suspeito. A Acusação, representada pelo Ministério Público (a família da vítima pode contratar advogado para também acompanhar o caso) e defesa se manifestam.
Se as provas são convincentes, o Ministério Público denuncia o réu, pedindo o julgamento. O próximo passo é a pronúncia do juiz, mandando o réu a júri.
Os jurados, denominado Conselho de Sentença, são escolhidos em sorteio numa lista préestabelecida, pessoas de conduta ilibada. São escolhidos sete para formar o Conselho, que decidirá se o réu é culpado. E decidem isso com base nos debates da acusação e da defesa. Durante o sorteio dos jurados, tanto acusação quanto defesa podem vetar nomes

Infanticídio reprovado
Gláucia Gomes de Abreu foi condenada a dois anos de reclusão, em regime aberto, quinta-feira, pelo Tribunal do Júri de Brasília, pela prática do crime de infanticídio, artigo 123 do CPB (matar recém-nascido). O crime ocorreu em agosto de 1998, quando ela trabalhava como doméstica em uma casa no Lago Sul. Segundo o depoimento, ela só descobriu a gravidez aos seis meses. O pai não quis assumir o filho. Gláucia deu a luz à criança no banheiro da churrasqueira. Pensando que o filho nascera morto, ela o colocou em um saco plástico. Depois, o laudo pericial constatou que a criança respirava quando nasceu.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Outros crimes contra a vida: auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto.


APRENDER COISAS NOVAS É REDESCOBRIR O SIGNIFICADO DA VIDA!
Aprende-se fazendo, errando e mantendo a curiosidade insaciável do conhecimento humano.
Apostilas de Direito Penal III

UNIDADE II – Outros crimes contra a vida

JUSTIFICATIVA – IMPORTÂNCIA DO TEMA

Iniciaremos doravante o estudo de outros tipos penais tutelares do bem jurídico vida: auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto. A importância do tema está intimamente relacionada ao cotidiano, tal como com o homicídio, que tantas preocupações causa a todos nós. A imprensa explora bastante as notícias dessas figuras penais, especialmente infanticídio e aborto, mas o suicídio é menos comentado, embora ocorra com bastante frequência em todas as camadas sociais. Numerosas famílias são atingidas por essa tragédia, inclusive no Distrito Federal, onde recentemente várias autoridades pleitearam à administração do Shopping Pátio Brasil a colocação de amuradas mais seguras nas áreas de acesso ao vão central, em razão da repetição de suicídios que ali ocorriam com regularidade indesejável. A angústia existencial, que muitas vezes também nos assola, com as perguntas clássicas que jamais encontrarão respostas (Quem sou eu, de onde vim e para onde vou? O que é que estou fazendo neste mundo?) explica esse gesto extremada de destruição da própria vida. Num mundo de tantas e tão intensas transformações e contradições, mudanças vertiginosas ocorrem com rapidez tão intensa que às vezes nem percebemos o quanto nos afetam. Sem dúvida, o modo de vida das sociedades modernas gera perplexidade, medo e uma infinidade de neuroses, que atingem especialmente gerações mais jovens. Embora seja considerável o número de suicídios, há um pacto informal de silêncio e a imprensa não costuma noticiá-los. Estudos procedidos nos Estados Unidos confirmaram que a notícia do fato estimula novas ocorrências.
Quanto ao infantícidio, é desnecessário destacar a importância do seu estudo . Costumam chamar a atenção reportagens descrevendo o mesmo enredo: empregada doméstica, pobre, abandonada, e sem recursos para criar o filho originário de amores efêmeros, joga o recém-nascido num saco e o abandona no lixo. Além do problema social, é relevante destacar a influência do puerpério, estado mórbido que leva a mãe a agir de forma chocante e incompreensível, em virtude de distúrbios de natureza psíquica decorrentes do trauma do parto. Esse fenômeno, detectado em gradação variável em todas as mulheres, constitui objeto de estudo de muitos especialistas em todo o mundo, que buscam desvendar sua etiologia, diagnóstico e cura.
Finalmente, o aborto é sempre um tema atual e palpitante, a despertar paixões e debates acirrados entre os que o defendem como um direito inalienável da mulher moderna e os conservadores que o vêem como um pecado contra a vida. Faz parte da sociedade hodierna esse problema invisível, que todos sabemos existir, mas que raramente chega aos tribunais. Quantas mocinhas inexperientes são levadas pelos próprios pais à clínica de um médico conhecido que se dispõe a interromper uma gravidez inusitada? Quantas senhoras respeitáveis e de boa família adotam igual procedimento, diante de uma gravidez inesperada e indesejável? Revistas de grand ecirculação, vez por outra, abordam o tema e muitas mulheres importantes da sociedade confessaram haver realizado um aborto. Nenhuma foi indiciada em inquérito ou denunciada em ação penal. No Tribunal do Júri de Brasília são poucos os casos de julgamento por crimes de aborto e jamais houve um condenação formal em caráter definitivo.
Além disso, há o drama do estupro, ato traumatizante a deixar marcas indeléveis nas vítimas, especialmente quando resultam na concepção. É justo deixar essas mulheres estigmatizadas pela sociedade, padecendo emocionalmente por trazerem no ventre o fruto da luxúria e da violência do estuprador? Ademais, com o atual estágio de desenvolvimento da ciência médica, tornou-se possível detectar precocemente deformações fetais que tornam inviável da vida do bebê, se levada a termo a gravidez. É o caso, por exemplo, da anencefalia, que tem suscitado acalorados debates, tanto sob o ponto de vista ético quanto jurídico.
O anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado pela Comissão presidida pelo eminente jurista Luiz Vicente Cernicchiaro traz em seu bojo importante inovação, excluindo a antijuridicidade da prática do aborto, quando demonstrada a inviabilidade da vida extra-uterina. Grupos conservadores contestam veementemente esse avanço legislativo, que, a bem da verdade, vem a reboque de algumas decisões que autorizaram o aborto nessas hipóteses, inclusive aqui em Brasília.
Enfim, os temas centrais da Unidade II – Outros crimes contra a vida, são palpitantes, e certamente merece a atenção de todos nós, tantos pelos seus aspectos jurídicos quanto sociais e éticos.

1) OBJETIVOS GERAIS: Capacitar o aluno para conhecer, comparar, analisar, sintetizar e avaliar os artigos 122 a 128, do Código Penal, decompondo-os em seus elementos objetivos e subjetivos, de molde a possibilitar sua perfeita adequação a casos concretos.

2) OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 2.1.- Levar o aluno a conhecer, compreender, aplicar, analisar, sintetizar e avaliar os crimes de auxilio ao suicídio, infanticídio e aborto, conceituando-os e identificando: objeto jurídico e material, sujeitos do delito, elemento objetivo (ação física), elemento subjetivo, consumação e tentativa, espécies privilegiadas e qualificadas, excludentes de criminalidade, etc. Distingui-los entre si e em relação ao homicídio.
2.2.- Desenvolver o pensamento crítico em relação a esses tipos penais, capacitando-os para o debate nos planos social, ético e jurídico.

3) PROCEDIMENTOS E METODOLOGIA: Aula expositiva, com uso de power point e apontamentos no quadro. Material de apoio: apostilas, exercícios, Código Penal anotado ou comentado e livros de doutrina.

Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio (art. 122).
1) Conceito: “Deliberada destruição da própria vida” (Euclides Custódio da Silveira);

2) Objetividade Jurídica: vida humana;

3) Crime comum, não exige nenhuma qualidade especial do sujeito ativo. O sujeito ativo é qualquer pessoa e o sujeito passivo será aquela capaz de discernir o significado social do suicídio e que, por ter essa capacidade, possa ser induzida ou instigada a praticá-lo.

4) Tipo Objetivo: há três formas diferentes de conduta: (a) induzir, que implica em gerar no espírito do suicida o desejo de matar-se; (b) instigar, que é estimular idéia preexistente de suicídio; (c) auxiliar significa fornecer os meios materiais para o suicídio. As duas primeiras figuras configuram participação ou concurso moral, diferenciando-se da última, concurso físico, que consiste em auxiliar materialmente o suicida, emprestando-lhe a arma, fornecendo veneno, corda ou punhal ou, ainda, ensinando-lhe o manusear o instrumento de execução do suicídio. Pode, ainda, ocorrer fraude na conduta do agente como meio para consumação do homicídio, levando a vítima a suicidar-se por engano. Há, também, homicídio, na coação irresistível. Em aboso os casos, a vítima não desejava realmente se matar, devendo ser lembrado que quem auxilia não pode pode chegar a ponto de causar diretamente a morte do suicida, praticando o ato que acarrete a morte.
Discute-se a possibilidade de conduta por omissão. Hungria a aceita, quando presente o dever jurídico de impedir o suicídio. Cita os exemplos do pai que, propositadamente, deixa o filho deprimido sozinho em casa, sabendo existir arma municiada de fácil acesso, a janela aberta no décimo andar ou um produto venenoso; agente penitenciário que não impede a morte do condenado em greve de fome; o médico ou enfermeiro que não impedem o suicídio do doente depressivo.

5) Tipo subjetivo. Dolo, vontade de induzir, instigar ou auxiliar alguém a se suicidar. Alguns falam em dolo específico, com a vontade dirigida para o evento letal como elemento subjetivo do injusto. Contudo, a maioria entende que o crime já pressupõe a vontade dirigida para consumação do resultado letal.

6) Consumação e tentativa. Sendo crime formal, exige o resultado morte ou lesão grave. Não havendo um desses resultados, a conduta é impunível.

7) Formas qualificadas
I) motivo egoístico
II) vítima menor ou incapaz de resistir
No primeiro caso, há dolo específico (visar herança, eliminar rival no amor ou nos negócios, vingança, ódio, inveja ou pura maldade).
No segundo caso, pressupõe-se que o menor tem diminuída a capacidade resistência. A doutrina majoritária optou pela idade entre 14 de 18 anos. Abaixo desse mínimo, considera-se a hipótese de homicídio. Há, ainda, a diminuição da capacidade de resistência no caso do alienado mental, doentes graves ou pessoas sob efeito de bebidas ou drogas alucinógenas.

8) Conflito aparente de normas: homicídio com fraude (revólver supostamente desmuniciado), ou contra pessoas incapazes de discernir (embriagados, drogados, crianças e loucos). No caso de roleta russa, há controvérsia em relação ao homicídio com dolo eventual.

9) Pacto de Morte (par suicida). Há três soluções preconizadas pela doutrina e jurisprudência:
1º) O sobrevivente responderá por homicídio, se o seu ato provocou a morte; 2º) responderá por auxílio ao suicídio, se a própria vítima praticou o ato; 3º) Se ambos sobreviverem, responderão por tentativa de homicídio recíproco.

Do infanticídio (art. 123)

1) Conceito. Trata-se de uma forma privilegiada de homicídio em que o legislador conferiu especial relevo à condição especial da mulher que experimenta as alterações psíquicas do estado puerperal e em razão disso vem a matar o próprio filho, durante ou logo após o parto.

2) Objetividade jurídica: a vida do neonato

3) Sujeitos do Crime. Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido pela mãe. Obviamente, a vítima é o filho, no instante do nascimento ou com pouco tempo de vida. Discute-se a possibilidade de o terceiro poder responder pelo mesmo crime no caso de concurso de agentes. Prevalece o entendimento que o estado puerperal e o parentesco são circunstâncias de caráter pessoal elementares do tipo e, conseqüentemente, comunicam-se aos partícipes, consoante a regra do art. 30, CP.

4) Condição Temporal. "Logo após o parto" é expressão que deve ser analisada em cada caso concreto. Compreende o lapso temporal de duração do estado puerperal, que é variável de mulher para mulher. É definido no exame médico-legal-psicológico, admitindo-se lapso de até 30 dias após o parto.
5) Elemento subjetivo. Dolo direto ou eventual. Inexiste forma culposa. Se a morte do bebê decorreu de imprudência, negligência ou imperícia da mãe, haverá homicídio culposo.

6) Tipo objetivo. O infanticídio é delito de forma livre, que pode ser consumado por qualquer meio, direto ou indireto, comissivo ou omissivo. A forma omissiva ocorre, por exemplo, se a mãe não corta o cordão umbilical ou não alimenta o recém-nascido, visando matá-lo.

Consumação e tentativa. O tipo se consuma com a morte do nascente ou neonato. Sendo crime material, admite forma tentada.

Do aborto (Arts. 124 a 128)

1) Conceito. Aborto ou abortamento é a interrupção da gravidez mediante destruição do produto da concepção. É a “morte do ovo, embrião ou feto” (Noronha). Distingue-se do homicídio, porque neste a morte ocorre com o ser nascente ou neonato, no início do parto.
Embora a expulsão do feto seja conseqüência normal do aborto, podem ocorrer três hipóteses:
a) dissolução e reabsorção do embrião; b) calcificação ou litopédio; c) mumificação.
Em todos esses casos, a gravidez é interrompida, havendo, portanto o aborto, mas não ocorre a expulsão do feto.

O fenômeno da gravidez se inicia com a concepção e termina no nascimento, observando-se as seguintes fases: a) coito ou fecundação externa, que acontece no momento da cópula, com a ejaculação do esperma; b) fecundação interna, ocorre no encontro do espermatozóide com o óvulo; c) aninhamento ou nidação, que é a acomodação e fixação do óvulo no útero materno; d) gravidez: segmentação e desenvolvimento do óvulo, até a maturidade do feto; e) parto, com expulsão do feto

À medicina interessa mais de perto o período iniciado com o aninhamento, mas, para o Direito Penal, a proteção da vida humana começa no momento da concepção. Há três fases de desenvolvimento: 1ª) ovular, que acontece nas três primeiras semanas; 2ª) embrionária, nos três primeiros meses; e 3ª fetal, a partir do quarto mês até o nascimento.
c) fetal: quarto mês em diante.
Às vezes acontece de o feto não se desenvolver normalmente, ocorrendo o fenônomeno da gravidez tubária ou molar. O fenômeno pode ocorrer em razão do aninhamento irregular do ovo fecundado no ovário, fímbria, trompas ou paredes uterinas. Nestes casos ocorre normalmene a degeneração do ovo, que assume forma sangüínea, carnosa ou vesicular. A anormalidade torna inviável a vida, não podendo constituir objeto material do crime de aborto.

2) Objetividade jurídica: Vida humana intra-uterina, vida em formação, vida fetal, vida feto-placental ou vida humana em germe (Noronha). Os interesses do nascituro são protegidos desde a concepção, mediante tutela penal e civil. O Código Civil prevê várias situações, em que o filho apenas concebido apresenta-se como pessoa. Exemplos: art. 353, legitimação adotiva; art. 357, § único, reconhecimento do filho antes do nascimento; art. 462 - curatela do nascituro; art. 1.718 – aquisição testamentária.

3) Tipo objetivo: A ação física é provocar aborto, ou seja, promover, produzir, dar causa, originar a destruição do produto da concepção. A ação obrigatoriamente será desenvolvida antes do parto, tendo por objeto material o ovo, embrião ou feto. Se for posterior ao parto, será homicídio ou infanticídio.

3.1 Métodos abortivos mais comuns:
1) meios químicos, utilizando-se substâncias inorgânicas tais como fósforo, mercúrio, arsênico, ou orgânicas, tais como cantárida, pituitrina, quinina, estricnina e ópiáceos. Essas substâncias agem mediante intoxicação da vítima;
2) meios físicos, subdividindo-se em mecânicos (diretos ou indiretos, térmicos e elétricos. Os meios mecânicos diretos são mais eficientes, efetivando-se por meio d expressão sobre o útero, através das paredes abdominais, por traumatismos vaginais (tamponamento ou irrigações), por traumatismo do colo uterino e por traumatismo do ovo (curetagem). Os meios indiretos são menos eficientes e não atuam diretamente sobre o aparelho genital (bolsas de água quente ou gelada sobre o ventre). O processo elétrico consiste no emprego de corrente elétrica).
3) meios psíquicos são aqueles provenientes de susto ou terror, que atuam sobre a agente provocando-lhe aborto.

4) Consumação e tentativa. A consumação ocorre com a morte do ovo, embrião ou feto, que deve ocorrer ainda no ventre materno, ou logo após sua expulsão, tratando-se de feto já desenvolvido. Exige-se a vitalidade do produto da concepção. Há crime impossível se não há vida (gravidez tubária ou molar) ou se os meios empregados são absolutamente ineficazes para produzir o aborto. Sendo delito material, admite tentativa, valendo lembrar que a ciência médica admite a viabilidade de vida extra-uterina a partir do sexto mês, mas o progresso crescente da medicina tem obtido êxito com menos tempo de vida.

5) Sujeitos do Delito.

No auto-aborto, tipificado na primeira parte do art. 124, só a mulher gestante pode cometê-lo.
No aborto consensual, segunda parte do art. 124, a ação exige o concurso necessário de dois agentes: a gestante que consente e o terceiro (qualquer pessoa) que intervém para destruir o produto da concepção. Este, responde pelo art. 126 e aquela pelo art. 124. O aborto sem consentimento (art. 125) é crime é comum, que pode ser cometido por qualquer pessoa.

6) Concurso de agentes. Oportuna a lição de Damásio, para quem “se o sujeito intervém na conduta da gestante de consentir, aconselhando, v.g. deve responder como partícipe do crime do art. 124. Agora, se de qualquer modo concorrer no fato do terceiro provocador, responderá como partícipe do crime do art. 126, do CP”.
A figura do art., 125 é a mais grave, sendo punida com reclusão de três a dez anos. O aborto é provocado contra a vontade da gestante, sujeito passivo, assim como o feto. O tipo se configura quando o agente emprega violência física ou moral ou fraude. Exemplo: convence a gestante de que o aborto é a única forma de salvar sua vida; ministra um abortivo, fazendo-a supor que se trata de um fortificante. Presume-se inexistente o consentimento quando a gestante é menor de 14 anos, alienada ou débil mental.

7) Formas qualificadas. Estão descritas no art. 127: objetivando o aborto, o agente realiza a conduta com esta finalidade, mas, em decorrência da técnica invasiva, vem a provocar lesão grave ou morte da gestante. Trata-se de crime preterdoloso, pois o agente não visa e nem aceita o resultado, mas o enseja, com a sua intervenção. Responderá pela qualificadora, mesmo se não ocorrer morte do feto.

8) Conflito aparente de normas. Infanticídio x aborto: morte antes ou depois do início do parto. Responde por aborto quem agride a gestante sabendo-a grávida, assumindo o risco de produzir o resultado (dolo eventual). Há concurso formal se o agente quer dois resultados (lesões + aborto ou homicídio + aborto). Desconhecendo a gravidez, não responde por lesão gravíssima (art. 129, § 2º, V) Se a morte do feto decorre do assassinato da gestante, ciente o agente da gravidez, responderá pelo crime do art. 125, em concurso formal com o homicídio.

domingo, 16 de agosto de 2009

Lesões corporais (Para entender o homicídio preterdoloso)

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Pois é, meus caros alunos. Depois de vermos as diversas formas de homicídio, simples, privilegiados, qualificados, privilegiados-qualificados, culposos, precisamos traçar os contornos do homicídio preterdoloso, que vem a ser uma outra categoria onde se reúnem os elementos subjetivos já estudados: dolo + culpa, onde o primeiro ocorrer na conduta e o outro no resultado final. Ou, como preferem alguns, dolo no antecedente e culpa no consequente, o que vem ser conhecido como homicídio preterdoloso ou lesão corporal seguida de morte, como vimos na sentença da Juíza Sandra de Santis no Caso Pataxó, que vocês já conhecem. Passemos então a estudar as diversas formas de lesões corporais, contidas no art. 129 do Código Penal e seus parágrafos.

UNIDADE III – Das Lesões Corporais
Justificativa e importância do tema.

Iniciaremos doravante o estudo das lesões corporais, tipificadas no art. 129, do Código Penal. Talvez fosse até desnecessário destacar a importância deste tema. As diversas formas de lesões corporais e seus múltiplos desdobramentos despertam vivo interesse. Não raro, nos julgamentos do Tribunal do Júri, a defesa se esforça para convencer os jurados de que não houve o animus necandi na conduta de que resultou a morte e pede a desclassificação da conduta para o tipo lesão seguida de morte (art. 129, § 3°).
Num dos julgamentos mais polêmicos da justiça brasileira, o chamado Caso Pataxó, jovens bem nascidos da sociedade brasiliense protagonizaram uma tragédia que transcendeu os limites da capital e alcançou ressonância no mundo inteiro, transpondo fronteiras. Eles atearam fogo em um índio da tribo Pataxó adormecido em uma parada de ônibus, alegando depois que o fizeram “por brincadeira”, pensado tratar-se de um mendigo. Queriam divertir-se com a reação do pobre coitado ao despertar com as chamas.
O que esses jovens pensavam no justo momento daquela ação tresloucada? Previram a probabilidade da morte? Concordaram com esse resultado ou deram os ombros, aceitando-o passivamente? Queriam efetivamente o resultado letal ou este resultado, embora perfeitamente previsível, não era desejado nem aceito? Houve dolo eventual de homicídio ou culpa consciente?
A busca de respostas estimulou acendrados debates sem encontrar consenso. A então Juíza Presidente do Tribunal do Júri de Brasília, Sandra de Santis, hoje desembargadora, afrontou a opinião pública ao ao desclassificar o delito de homicídio para lesão seguida de morte, também conhecido na doutrina como homicídio preterdoloso. A polêmica decisão dividiu juristas, que se posicionaram contra ou a favor na defesa apaixonada de suas teses. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal confirmou a sentença de primeiro grau, à unanimidade. Mas o Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, reformou a decisão, mantendo a classificação original da denúncia: homicídio triplamente qualificado: 1) motivo torpe, porque os denunciados teriam agido para se divertir com a cena de um ser humano em chamas; (2) o meio cruel, em virtude de ter sido a morte provocada por fogo; e (3) o uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, atacada enquanto dormia. Com isso, os jovens foram submetidos a julgamento no Tribunal do Júri e efetivamente condenados. Atualmente, cumprem livramento condicional e até hoje se questiona o tratamento que receberam durante o encarceramento, considerado por muitos como privilegiado.
Entender os motivos da celeuma, buscando compreender o tipo legal inserto no art. 129 é o desafio que lança doravante. Portanto, o tema desta Unidade III – Das Lesões Corporais, certamente merece atenção, por todos os seus desdobramentos jurídicos, morais e éticos.

OBJETIVOS GERAIS:

Capacitar o aluno para conhecer, comparar, analisar, sintetizar e avaliar o artigo 129, do Código Penal, decompondo-os em seus elementos objetivos e subjetivos, de molde a possibilitar sua perfeita adequação a casos concretos, distinguindo-o de outras formas ensejadoras de conflito aparente de normas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

2.1.- Levar o aluno a conhecer, compreender, aplicar, analisar, sintetizar e avaliar o crime de lesão corporal e suas formas qualificadas, conceituando-os e identificando: objeto jurídico e material, sujeitos do delito, elemento objetivo (ação física), elemento subjetivo, consumação e tentativa, espécies privilegiadas e qualificadas, excludentes de criminalidade, etc. Distingui-lo especialmente em relação ao homicídio.
2.2.- Desenvolver o pensamento crítico em relação ao tipo penal, capacitando o aluno para o debate nos planos ético e jurídico.

PROCEDIMENTOS E METODOLOGIA:

Aula expositiva, com uso de transparência e escrita no quadro. Material de apoio: apostilas, exercícios, Código Penal anotado ou comentado e livros de doutrina.


Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.

Conceito. A melhor definição de lesão corporal é aquela expressa na própria Exposição de Motivos do Código Penal: “qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental”.
Vê-se que a lei não tutela apenas a higidez física do corpo, mas também a saúde mental, verificando-se a lesão corporal quando se produz qualquer distúrbio, permanente ou efêmero, capaz de afetar as atividades físicas, intelectivas, volitivas ou sentimentais do indivíduo. Traduz-se por ofensas de (a) natureza anatômica, tais como ruptura de tecidos, equimoses, edemas e fratura de ossos; (b) de natureza fisiológica, como distúrbios das funções orgânicas (função cardiológica, respiratória, renal, reprodutiva, excretora e outras) do corpo humano; ou, ainda, (c) de natureza psíquica, com afetação da higidez mental capaz de provocar abalos sensíveis de aspecto emocional ou sentimental.


Objetividade Jurídica
Incolumidade física ou psíquica do ser humano segundo a parêmia Mens sana in
corpore sano
, significando Mente sã num corpo são.

Formas de Lesões Corporais (art. 129, CPB):
1) Lesão dolosa simples (art. 129, caput);
2) Lesão dolosa privilegiada (§§ 4° e 5°);
3) Lesão dolosa qualificada (§§ 1°, 2 e 3°);
4) Lesão culposa (§ 6°);
5) Lesão dolosa e culposa c/ aumento de pena (§ 7°);
6) Lesão dolosa praticada no ambiente doméstico e familiar (§ 9º), Lesão dolosa qualificada em situação de violência doméstica (§§ 10 e 11).

Sujeito ativo: crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, tendo como sujeito passivo qualquer pessoa diversa do próprio agente. A autolesão, em princípio, é impunível, mas pode configurar eventualmente fraude para recebimento de seguro (art. 171, § 2º, V, CP) ou criação ou simulação de incapacidade física com o fim de se esquiva da incorporação militar obrigatória (art. 184, do CPM).
O consentimento da vítima não afasta o crime, já que a saúde é um bem jurídico indisponível. Contudo, em situações especiais o Estado tolera a ofensa à integridade física em atividades que não atentem contra a segurança social ou quando não sejam capazes de gerar conflitos indesejáveis. Permite-se, assim, que a vítima disponha da integridade física no tratamento médico-cirúrgico consentido, nas lutas e outras modalidades esportivas onde há contato físico, na transfusão de sangue e de órgãos entre pessoas vivas, dentre outras.
No caso de tratamento médico cirúrgico, parte da doutrina considera que não há crime na conduta do cirurgião por não haver prejuízo, mas melhoria, à saúde; para outros, a cirurgia consentida constitui exercício regular de um direito ou configura o estado de necessidade, quando ocorre em situações de emergência, nas quais o médico tem o dever jurídico de afastar o risco à saúde, até mesmo contra a vontade expressa do paciente, como, por exemplo, na transfusão de sangue da testemunha de Jeová. Para alguns, a cirurgia para mudança de sexo é crime, mas a doutrina mais moderna a admite, quando precedida de avaliação clínica e psicológica, como imperativo da dignidade humana. Em alguns países é abertamente permitida, tais como Alemanha, Inglaterra, Suíça, Dinamarca, Suécia, França e Estados Unidos.
Em Brasília, a Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Direitos de Usuários do Sistema de Saúde (PRÓ-VIDA) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) tem autorizado médicos do Hospital Regional da Asa Norte a realizarem cirurgias que implicam a mudança de sexo em alguns casos. O procedimento é precedido de apuração em processo administrativo instaurado a partir do pedido do interessado, onde uma equipe de médicos e psicólogos e psiquiatras realizam perícia médica para comprovar o fenômeno do hermafroditismo, examinando os aspectos físicos e psicológicos do indivíduo que recomendem ou não a cirurgia. Tal procedimento, assim como a autorização para retirada de fetos anencefálicos não está isento de críticas, uma vez que, na dogmática jurídica, o aborto legal só é admitido nos casos de aborto terapêutico, quando está em perigo a vida da gestante, ou no aborto sentimental ou ético, na gravidez resultante de estupro o atentado violento ao pudor.
Vale ressaltar que a Lei 9.434, de 04.12.97 e seu regulamento (Decreto 2.268, de 30.06.97) regulam a retirada de órgãos e tecidos para fins de transplante e tratamento entre pessoas vivas ou post mortem, no caso de doação de órgãos.

Tipo subjetivo (ação física). O núcleo do tipo é “ofender a integridade física de outrem”, ou seja, praticar conduta capaz de provocar danos de natureza anatômica, fisiológica ou psíquica, isto é, lesão física interna ou externa (ruptura de tecidos, sangramento, equimoses, fraturas, edemas e outras lesões visíveis no corpo da vítima). Mas a lesão também pode ser de natureza psíquica ou mental, quando ocasiona distúrbios emocionais graves, pânico, terror moral e outros. Adotando o princípio da insignificância, a jurisprudência às vezes deixava de punir lesões leves ou resultantes de disputas familiares entre marido e mulher, irmãos, pais e filhos ou entre vizinhos, especialmente quando ocorria a reconciliação. Mais recentemente, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 07/08/2006), editada por razões de política criminal e visando combater o grave problema da violência familiar doméstica, tornou mais rigorosa a punição, criando um procedimento especial onde estão previstas medidas cautelares de urgência para proteção da integridade física e moral da mulher agredida no âmbito familiar. Ao contrário do que vinha ocorrendo, recrudesceu a punição como medida para coibir a violência contra a mulher no âmbito familiar e doméstico, inclusive afastando a possibilidade de aplicação das regras da Lei 9.099/65 (art. 41, da Lei 11.340/2006).


Comete crime quem que induz ou instiga uma criança, louco ou bêbado a praticar autolesão; o mesmo se diga quando a vítima se lesiona fugindo de agressão.

A ofensa à integridade corpórea pode se efetivar mediante violência física (vis física ou vis corporalis) como socos, pernadas e golpes com objetos, facas ou disparo de arma de fogo, ou violência moral (vis compulsiva), quando se efetiva mediante ameaça, susto, terror. Admite-se a forma omissiva quando presente o dever jurídico de impedir a lesão, como no caso de pais que deixam de alimentar o filho ou não cuidam quando ele adoece; enfermeira que não ministra medicamento ao paciente; carcereiro que não cuida do preso doente. Distingue-se das vias de fato, que é o entrevero verbal acompanhado de empurrões, sacudidelas ou safanões. A bofetada no rosto geralmente configura a injúria real.

Elemento subjetivo é o dolo (animus laedendi ou nocendi), que se consubstancia na vontade livre e consciente de causar dano ao corpo ou a saúde de outrem, diferenciando-se da tentativa de homicídio, que é dirigida para o resultado morte. É mister a voluntariedade da ação e a finalidade de causar o dano, não se caracterizando, por exemplo, na ação de abraçar fortemente um amigo, sem saber que tem uma ferida que vem a abrir-se. A vontade de lesionar o corpo ou a saúde de outrem é o elemento distintivo entre o art. 129 e outros tipos onde pode haver igualmente a ofensa à integridade física, tais como ocorre nos crimes de perigo individual, especialmente maus tratos (art. 136), e no exercício arbitrário das próprias razões (art. 345).
A ação cometida no intuito de lesionar pode causar danos cuja extensão e intensidade normalmente não estão delineadas com exatidão na consciência e vontade do agente, não havendo como dosar a força e o local do corpo humano a ser atingido para provocar esta ou aquela lesão previamente intencionada.

A lei não distinguiu um tipo específico de lesão corporal preterdolosa, que ocorre quando o agente provoca uma lesão mais grave do que aquela que pretendia. Assim, lesões mais graves ou menos graves são punidas de acordo com o resultado concreto produzido em cada caso. Há, portanto, um dolo genérico na causação do dano, mas a punição é dosada consoante o resultado efetivamente produzido: quanto mais grave a lesão, mais elevada é a pena correspondente, implicando a lesão leve, grave, gravíssima e a lesão corporal seguida de morte.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre quando há lesão efetiva à integridade física ou psíquica da vítima. Quanto à possibilidade de tentativa, prevalece o entendimento de que é possível, já que se trata de delito material, mas, persistindo a dúvida, o réu sempre sairá beneficiado.

Classificação. As lesões corporais podem ser classificadas da seguinte forma:
1) Leves. É a figura do caput, que prevê pena de detenção de três meses a um ano, obedecendo o rito da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais, e, portanto, dependente da representação da vítima para a instauração da ação penal competente (condição de procedibilidade).


2) Graves são aquelas previstas no § 1°, com pena de um a cinco anos, quando da conduta resulta:


I) Incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias. Por ocupação habitual se deve entender a atividade rotineira do indivíduo, e não apenas aquela de natureza econômica. Não se excluem, assim, a vítima criança e o ancião, que, normalmente, não exercem atividades lucrativas. Considera-se tanto a incapacidade psíquica quanto física, que deve ser parcial e temporária, perdurando, no máximo, por trinta dias;


II) perigo de vida. Decorre da intensidade e sede da lesão, acarretando risco à sobrevivência da vítima, o que é aferido mediante perícia médica;


III)) debilidade permanente de membro, sentido ou funçao. Trata-se da redução da capacidade operacional dos membros superiores (braços, antebraços e mãos) ou inferiores (coxas, pernas e pés), perda parcial da capacidade sensitiva (olfato, paladar, tato, visão e audição), ou, ainda, a diminuição da capacidade das funções orgânicas (respiração, circulação, digestão, secreção, locomoção, reprodução, sensibilidade tátil, etc.). Tratando-se de órgãos duplos (olhos, pulmões, ouvidos, rins, testículos) a perda de um deles acarreta debilidade da função correspondente e não sua perda, o que configuraria lesão gravíssima, consoante o inciso III, do § 2º;


IV) aceleração de parto. Implica a antecipação do nascimento do bebê em decorrência da lesão sofrida, resultando num parto prematuro. Mas se o feto falece ainda no útero materno, devido à formação incompleta dos tecidos, há aborto, e, consequentemente, lesão gravíssima (Inciso V, do § 2º). Portanto, para que se cogite da hipótese aqui prevista é indispensável o nascimento com vida.



3) Gravíssimas são previstas no § 2°, com pena de reclusão de dois a oito anos, quando a conduta apresenta um dos seguintes resultados possíveis:


I) Incapacidade permanente para o trabalho. Pressupõe o exercício de profissão, arte, ofício ou outra atividade rentável, excluindo, pois, a criança e o ancião. A prova é feita de acordo com a evolução do caso, devendo ser constatada mediante exames médicos complementares;


II) enfermidade incurável. Ocorre quando a lesão acarreta patologia de cura impossível pela ciência médica;


III) perda ou inutilização de membro, sentido ou função. Essa forma de lesão pressupõe a perda por mutilação ou amputação ou pela simples perda completa da capacidade funcional. Neste caso, o membro permanece ligado ao corpo, mas inoperante, sem poder realizar sua função normal. ;


IV) deformidade permanente. Lesão de natureza estética que acarreta severo constrangimento, desconforto ou desgosto à vítima, sem atingir necessariamente a horripilância ou aleijão grotesco. O dano, normalmente visível ou de grande extensão, deve também ser indelével ou irreparável, atentando-se para as condições pessoais da vítima (sexo, idade, condição social, etc.). Circunstâncias de caráter pessoal podem alterar o sentido do dano estético;


V) aborto. Dispensa maiores comentários, mas é importante distinguir com o delito do art. 127, primeira parte, que inverte as situações: aqui, a lesão é o fim visado pelo agente e não o aborto; naquele, o aborto é fim visado, e não a lesão. Há, portanto, o preterdolo.



4) Lesão corporal seguida de morte. É a figura do § 3°, também conhecida como homicídio preterdoloso ou preterintencional. Ocorre quando resulta a morte da vítima, mas as circunstâncias indicam que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzí-lo, sendo prevista a pena de reclusão de quatro a doze anos.
Há que se ressaltar que, consoante o art. 19, do Código Penal, o agente só responde pelo resultado mais grave quando podia razoavelmente prevê-lo. Não há responsabilidade penal puramente objetiva (teoria causal) pela simples ocorrência do evento mais grave.
No homicídio preterdoloso ou preterintencional, o agente visa ofender a integridade física da vítima, mas o resultado vai além do desejado, devendo as circunstâncias do evento evidenciarem que o agente não desejou a morte da vítima nem assumiu o risco de produzi-la. A pena é de quatro a doze anos de reclusão, não chegando, assim, à pena equivalente à do homicídio simples. Há, aqui, uma figura mista, em que se misturam o dolo e a culpa, manifestando-se aquele no fato antecedente (lesão corporal) e esta no fato conseqüente (morte). Embora o resultado não estivesse predeterminado na vontade do agente, foi causado pela sua conduta, devendo estar presente o nexo de causalidade, razão da maior severidade da pena.

5) Lesão corporal privilegiada. Trata-se da hipótese prevista no § 4º: “se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. Encontra correspondência no homicídio privilegiado e é aplicável em qualquer das hipóteses do art. 129, §§ 1º, 2º e 3º (lesões leves, graves, gravíssimas ou seguidas de morte).

Substituição de pena: segundo o § 5º do art. 129, sendo leves as lesões, pode o juiz substituir a detenção por multa se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo anterior ou se as lesões são recíprocas.

6) Lesões corporais culposas. A lei penal prevê punição das lesões corporais causadas por imprudência, negligência ou imperícia, com pena de detenção, de dois meses a um ano, valendo os mesmos ensinamentos relativos ao homicídio culposo, inclusive no tocante ao perdão judicial, previsto no § 8º, quando remete ao § 5º do art. 121.

7) Lesão corporal qualificada (causa especial de aumento de pena). Tanto na lesão dolosa quanto na culposa, incide a causa especial de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º: tratando-se de lesão culposa, a pena é aumentada em um terço se há na inobservância de regra técnica de profissão arte ou ofício, se o agente deixa de prestar socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências de seu ato ou foge para evitar o flagrante; na lesão dolosa incide o mesmo acréscimo se a vítima é menor de 14 anos ou maior de sessenta.

8) Lesão corporal qualificada em razão de siatuação de violência familiar doméstica (Lei Maria da Penha). Reza o § 9º do art. 129, do Código Penal: “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. O § 10 determina que nos casos previstos nos §§ 1º a 3º do mesmo art. 129, quando as circunstâncias são aaquelas indicadas no § 9º, aumenta-se a pena em um terço. O § 11, por seu turno, determina que na hipótese do § 9º, a pena será aumentada de um terço, se a vítima for portadora de deficiência.