quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Crimes contra a liberdade individual

CONSTRANGIMENTO ILEGAL


Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.


Objetividade Jurídica: Liberdade de autodeterminação, de fazer ou deixar de fazer o que quiser; liberdade física e psíquica.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum). Sendo funcionário público no exercício da função, pode configurar o exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350CP) ou o abuso de autoridade (Lei 4.898/65).

Sujeito passivo: Qualquer pessoa com capacidade de querer. Não se configura o crime quando praticado contra criança, doente mental, pessoas inconscientes, drogadas, embriagadas totalmente, e outros casos em que a vítima tenha suprimida por completo a capacidade de entendimento. O constrangimento pode, também, ser exercido contra representante do incapaz.

Tipo objetivo: Constranger, coagir, obrigar, forçar, compelir, impor, exigir, enfim, que a vítima realize determinada conduta, mediante uma das seguintes formas:

I) Violência física ou própria, ou seja, aquela exercida sobre pessoa (violência direta ou imediata); ato que atinja fisicamente a vítima: lesionar, amarrar, amordaçar, tirar muletas do aleijado, óculos do míope. Pode se efetivar contra pessoa diversa daquela a quem se quer constranger ou contra coisa (violência indireta ou mediata).

II) Grave ameaça ou violência moral. Consiste na promessa de um mal futuro, sério e verossímil. Não exige a presença da vítima, que pode tomar conhecimento da ameaça por escrito ou por interposta pessoa. O mal anunciado deve ser grave, podendo ser justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo. Pode até ser dever do agente realizar o mal prenunciado; mesmo assim, é ilícito coagir alguém a agir de determinada maneira. Exs: ameaça de denúncia à polícia, prender, executar dívida, etc.

III) qualquer outro meio capaz de reduzir a resistência da vítima ou violência imprópria. Hipnose, narcóticos, álcool ou outra substância capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima.

Pode ser praticado por meio de conduta comissiva ou omissiva, como, por exemplo, não alimentar o doente para obrigá-lo a certo comportamento. A intenção do agente é obrigar a vítima a fazer ou não fazer alguma coisa, em desacordo com a lei, exigindo-lhe uma conduta certa e determinada. O agente obriga a vítima a uma ação ilegítima, que não tem o direito de exigir. Se a pretensão for legítima, configura exercício arbitrário das próprias razões (art. 345). Patrão que obtém a confissão de estar sendo furtado pelo empregado - fato verdadeiro - sob ameaça de levar a ocorrência à polícia, não comete o crime, mas exercício regular de direito.

A lei não menciona expressamente a conduta de coagir alguém a tolerar que se faça algo (ex. pintar ou cortar o cabelo). A conduta da vítima é sempre uma ação ou omissão: fazer ou não fazer algo, por exigência do sujeito ativo. Há crime quando o agente utiliza violência ou grave ameaça para impedir a vítima de realizar ato imoral, mas não proibido por lei. Exemplo: prostituição. O ato é imoral, mas a lei não proíbe.

A ilegitimidade da pretensão pode ser:
A)Absoluta: quando o agente não tem nenhum direito à ação ou omissão da vítima, não podendo impor-lhe a conduta. Exs: impedir que use ou deixe de usar chapéu, que saia com determinada roupa, etc.
B) Relativa: quando, embora não proibido o comportamento da vítima, o agente não tem o direito de empregar violência ou grave ameaça para obter esse comportamento. Exs.: pagamento de dívida de jogo, de “serviços” de uma meretriz etc.

É NECESSÁRIO O NEXO CAUSAL ENTRE A VIOLÊNCIA, A GRAVE AMEAÇA OU A REDUÇÃO DE RESISTÊNCIA E O COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. Havendo violência, pode haver concurso material entre constrangimento ilegal e lesão corporal.

O constrangimento ilegal normalmente se apresenta como crime meio para execução de outros delitos, tais como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, etc. Nesses casos, é absorvido pelo crime mais grave.

Exclusão de tipicidade: “§ 3°. Não se compreendem na disposição deste artigo.”
I. Intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento ou contra vontade da vítima ou de seu representante legal, em face de iminente perigo de vida é estado de necessidade de terceiro. (Ex.: transfusão de sangue recusada por motivos religiosos).
II. coação para impedir suicídio. O suicídio não é ilícito penal, mas conduta antijurídica, configurando-se, no caso, estado de necessidade de terceiro.

Elemento subjetivo: dolo, genérico e específico, representando pela vontade livre e consciente de constranger a vítima, utilizando violência ou grave ameaça ou reduzindo a capacidade de resistência, ciente da ilegitimidade da sua pretensão. Supondo legítima sua conduta, o agente não age com o dolo; o fato é atípico (erro sobre a ilicitude do fato art. 21, CP). Está presente um elementos normativo, ou elemento subjetivo do injusto, que é a finalidade de de obter ação ou omissão da vítima. Acaso inexistente, o crime será lesão corporal, ameaça, etc. (posição majoritária). Os motivos do crime são irrelevantes na configuração do tipo.Dolo, genérico e específico, representando pela vontade livre e consciente de constranger a vítima, utilizando violência ou grave ameaça ou reduzindo a capacidade de resistência, ciente da ilegitimidade da sua pretensão. Supondo legítima sua conduta, o agente não age com o dolo; o fato é atípico (erro sobre a ilicitude do fato art. 21, CP). Está presente um elemento subjetivo do injusto, que é a finalidade de obter uma ação ou omissão da vítima. Acaso inexistente, o crime será lesão corporal, ameaça, etc. (posição majoritária). Os motivos do crime são irrelevantes na configuração do tipo.
Consumação e tentativa. Tratando-se de crime material, a consumação ocorre no momento em que a vítima constrangida faz o que a lei não manda, ou não faz o que a lei permite. A tentativa é admitida, quando, apesar da violência ou da grave ameaça, a vítima não realiza a conduta ou omissão desejada pelo agente.

Concurso e distinção: Crime de tortura (Lei n° 9.455/97): “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão, ou para provocar ação criminosa e em razão de discriminação racial ou religiosa. Sendo a vítima compelida a dar fuga ao agente em seu automóvel, há constrangimento ilegal e não seqüestro, em razão do elemento subjetivo do tipo, que, no caso, não é a privação da liberdade. Sendo a ameaça um fim em si mesma (incutir medo na vítima), o tipo é o do art. 147, já que não visa obter uma ação ou omissão. Ameaçar com intuito de obter vantagem econômica indevida é extorsão (art. 158, CP). O constrangimento ilegal constitui meio para execução de outros delitos, tais como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor, etc. Nesses casos, é absorvido pelo crime mais grave. Art. 232 ECA: "Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos"


AMEAÇA

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Objeto jurídico: paz de espírito, tranqüilidade pessoal, liberdade psíquica ou o sossego individual.

Tipo objetivo: intimidar, anunciar cometer mal injusto e grave, prometer malefício por meio de palavra gravada ou pelo telefone, escrito (carta ou bilhete), gesto, como apontar arma, mesmo fictícia, para a vítima ou outro meio simbólico (desenho, bonecos com agulhas, emblemas, caveira, sinais, etc.) A ameaça pode se efetivar diretamente ou por interposta pessoa. O mal anunciado deve ser grave, sério, idôneo, capaz de intimidar. O padrão para sua verificação é o do homem médio. Se a ameaça causar risos, não configurará o crime. Se a vítima não acreditar na ameaça, não haverá crime. O mal prometido pode ser físico, moral ou econômico. A praga ou esconjuro não configura o tipo. Exs: "Que vá para o inferno"; "que um raio te parta"; "que o diabo te carregue" (nesses casos, não depende do agente). Deve ser, ainda, palpável, concretizável. Exclui-se ameaça fazer cair um raio, provocar erupção de vulcão, despencar a lua, etc. Desafiar para duelo não configura ameaça.

A ameaça pode ser direta (contra a vítima); indireta ou reflexa (contra terceiro); explícita (exibição de arma) ou implícita ("cobro minhas dívidas com sangue"); condicional: “vai apanhar se repetir o que disse"; "se fizer isso, será é homem morto"; "se fizer, leva um tiro". O mal anunciado pode ser anual, iminente ou futuro, podendo, ser feito durante um entrevero, uma briga ("ameaça em ato"), ou de um "mal futuro" prometido. Deve ser injusto (ao contrário do constrangimento ilegal) e não precisa ser criminoso. Ameaçar protestar título ou acionar a justiça não configura o crime. Desnecessária a presença da vítima, bastando que ela tome ciência da ameaça. Pode ser feita por telefone ou por intermediário (ameaça à distância). SUBSIDIARIEDADE: a ameaça é absorvida pelo constrangimento ilegal, sendo subsidiário em relação a crimes mais graves, compondo, geralmente, outros delitos. São exemplos: roubo, estupro, extorsão, etc. É, ainda, absorvida pela lesão corporal e pelo constrangimento ilegal. Não caracteriza ameaça mera bravata, ameaça jocosa, desafio, injúrias recíprocas, incontinência verbal, etc. Exige-se ânimo calmo e refletido. A ameaça em estado de cólera ou de embriaguez não é crime, porque não há seriedade na ameaça.

Sujeito Ativo: sendo crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma qualidade especial. Se for agente público, pode eventualmente configurar abuso de poder ou de autoridade.

Sujeito Passivo: qualquer pessoa física individualizada, com capacidade de entender a ameaça, podendo, por isso, ser amedrontada ou intimidada. Não se trata de terror generalizado, mas de pessoa determinada.

Elemento subjetivo: dolo, vontade de ameaçar, intimidar, meter medo, mesmo que o agente não tenha a real intenção de cumprir o mal prometido.

Consumação e tentativa. Tratando-se de crime formal, se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento do mal ou ameaça. Não é mister que ela efetivamente sofra algum dano ou fique amedrontada, basta a idoneidade da ameaça. A tentativa só é possível se na forma escrita contra vítima incapaz, pois, sendo a ação penal condicionada, depende de representação da vítima. OE se esta representa é porque soube da ameaça e, neste caso, a consumação já ocorrera.

Concurso e distinção: ameaçar várias pessoas implica concurso forma de crimes. Neste caso, a representação por vir na constância de qualquer delas, desde que não haja decadência (STF - RTJ 124/1006).

Ação Penal: pública, dependendo da representação do ofendido (Parágrafo único).


SEQÜESTRO E CÁRCERE PRIVADO

Art. 148, CP. “Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de um a três anos.”

Objeto jurídico: liberdade individual de locomoção; direito de ir e vir, liberdade de movimento no espaço.

Tipo objetivo: retirar a liberdade de locomoção, cercear a vítima no seu direito de ir e vir. Seqüestrar é deter ou reter a vítima, impossibilitando-lhe sair do local em que está ou onde foi colocada pelo agente. Realiza-se em campo aberto ou com enclausuramento (amarrar e colocar a vítima num sítio ignorado ou numa ilha). Cárcere privado: colocar a vítima em recinto fechado, com maior restrição de liberdade (numa casa, num quarto, numa cela, no porta-malas do automóvel, etc.)A conduta pode ser comissiva (deter a vítima, levá-la num automóvel e prendê-la numa casa) ou omissiva (reter a vítima, impedindo-a de sair; médico que recusa alta a paciente curado. Se a retenção for para cobrar honorários, caracteriza exercício arbitrário das próprias razões).
Vários são os meios utilizados: violência ou ameaça, uso narcóticos, hipnose e até mesmo fraude (mentira). Se a vítima já tem sua liberdade cerceada legalmente, ocorrerá o crime se a liberdade for cerceada ainda mais. Exs.: acorrentar o preso ou o doente. O consentimento da vítima só exclui o delito se tiver validade. Sendo a vítima débil mental ou menor de 14 anos, o consentimento é inválido. O seqüestro só é delito autônomo quando não for meio para execução de outro crime mais grave (subsidiariedade).

Tipo subjetivo: dolo, vontade de tolher a liberdade de locomoção da vítima, sem nenhuma finalidade específica (ciúme, vingança etc.). Havendo finalidade especial, o crime se transforma (vide abaixo)

Sujeito ativo: crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, sem nenhuma qualidade especial; se ascendente, descendente ou cônjuge, haverá crime será qualificado (§ º, I); se funcionário público, no exercício da função, pode configurar abuso de poder (art. 350, CP) ou de autoridade (Lei n° 4.898/65).

Sujeito passivo: qualquer pessoa, como titular da liberdade de locomoção, incluindo-se a que não pode se movimentar (paralítica ou aleijada), os inconscientes ou insanos, havendo controvérsia com relação a estas últimas. Admite-se que o preso possa ser vítima, quando cerceada sua liberdade de locomoção (amarrado ou acorrentado). Sendo contra o Presidente da República, do Senado, da Câmara ou do STF, enquadra-se na Lei de Segurança Nacional (art. 28, Lei nº 7.170/83).

Concurso e distinção. Obtenção de vantagem ilícita x extorsão mediante sequestro (Art. 159, CPB). Fim corretivo pode caracterizar maus tratos (Art. 136, CP). Se tem como fim a obtenção de determinada conduta da vítima, ocorre o constrangimento ilegal
(Art. 146, CPB).

Consumação e tentativa. O tipo se consuma quando a vítima é privada da liberdade de locomoção por lapso de tempo juridicamente relevante. Não se descaracteriza com posterior libertação da vítima ou sua devolução ao lugar de onde foi subtraída, que apenas influirão na aplicação da pena, como circunstâncias judiciais. Trata-se de crime permanente, em que a consumação se protrai no tempo, permitindo a prisão em flagrante enquanto durar a privação de liberdade da vítima. Sendo crime material, admite tentativa na forma comissiva (arrebatar a vítima para levá-la a confinamento). Na conduta omissiva (retenção da vítima), não há possibilidade de tentativa, uma vez que há consumação mesmo se a vítima é retida por curto espaço de tempo.

Formar qualificadas (§1° - Reclusão, 2 A 5 anos): I) Se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente. Decorre dos laços de sangue ou afetivos. Pai que leva os filhos, desobedecendo a ordem judicial, comete desobediência. Internar a mãe contra vontade em asilo ou casa de saúde configura seqüestro; II) Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital. A razão do acréscimo é a fraude utilizada e o maior potencial de dano. O médico ou diretor de hospital ou casa de saúde poderá ser co-autor ou partícipe; III) Se a privação de liberdade dura mais de 15 dias. A razão do aumento é o maior dano causado à vítima. O prazo é contado na forma do art. 1° do CP, ou seja, contando-se o dia do início.

Formar qualificadas pelo resultado - Preterdolo (§ 2° - Reclusão, 2 A 8 anos): Se o crime resultar em grave sofrimento físico ou moral na vítima, em razão dos maus tratos ou da natureza da detenção.Esse sofrimento revela maior perversidade do autor, ensejando o acréscimo da pena. Maus tratos é a conduta agressiva que causa ofensa à moral, ao corpo, ou à saúde da vítima, mesmo que não cause lesão corporal. A natureza da detenção diz respeito à forma da privação de liberdade, como amarrar a vítima numa árvore, colocá-la em local úmido, insalubre, etc. Ocorrendo lesão corporal leve ou grave há concurso formal com seqüestro simples (posição majoritária). A forma é preterdolosa, distinguindo-se com o tipo de tortura mediante seqüestro (art. 1º, § 4º, III, da Lei nº 9.455/97).

Concurso e distinção: obrigar condutor de veículo a dirigir-se a certo local: art.146Raptar criança para criar: subtração de Incapaz (art. 249). Fins corretivos = maus tratos (Art. 136). Reter a vítima após consumar o roubo: causa de aumento prevista nio Art. 157, § 2°. Inciso V, do CP. Havendo privação de liberdade após a consumação de roubo, sem qualquer liame com a prática da subtração, há concurso material de crimes.


REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO:

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga a de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada excessiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringido, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Conceito: consiste na supressão do direito individual de liberdade de escolha de trabalho, impondo a outrem sua vontade e seus caprichos, de forma a tolher por completo a liberdade do trabalhador, impedido, inclusive, de deixar o local de trabalho.

Sujeito ativo: qualquer pessoa.

Sujeito passivo: qualquer pessoa que esteja na condição de contratado, empregado, empreiteiro, operário ou prestador de serviços para outra pessoa, sendo indispensável o vínculo de trabalho.

Tipo Objetivo: Reduzir implica a submissão de uma pessoa a outra, em condições deprimentes e indignas de trabalho, comparável à de escravo.

Tipo Subjetivo: é o dolo, que pode ser direto ou eventual. Consiste na vontade livre e consciente de submeter outra pessoa às suas ordens, suprimindo-lhe a liberdade de escolha de trabalho.

Consumação e tentativa: quando a situação de completa submissão e supressão da liberdade se prolonga por tempo juridicamente relevante. Trata-se de crime permanente, cuja duração se protrai no tempo. Enquanto não desaparecer o estado de
submissão, a consumação não se encerra. Como crime material, admite a tentativa.


VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
Art. 150, CP. “Entrar ou permanecer clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”.

Objeto jurídico: Tranqüilidade doméstica, inviolabilidade da casa, a liberdade individual em relação à habitação.

Tipo objetivo: as condutas descritas são duas: entrar é ingressar, invadir, transpor os limites da casa ou de suas dependências, com todo o corpo, não bastando uma parte do corpo (braço, pema etc.). Permanecer é não sair, continuar no interior da casa e suas dependências, pressupondo entrada lícita. A permanência deve ser por tempo juridicamente relevante, não bastando mera hesitação.

Elemento normativo: contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito. A entrada e a permanência devem ocorrer contra a vontade expressa ou tácita do morador. A vontade tácita é aquela verificável por fatos concretos, como o comportamento e as circunstâncias, que sejam incompatíveis com o consentimento na entrada ou permanência. As condutas descritas podem se efetivar clandestinamente, às ocultas, furtivas, sem a ciência do morador; ou de forma astuciosa, mediante fraude, como fingir ser empregado, músico, convidado, agente de companhia de gás ou telefone, etc. Nessas hipóteses, o dissenso é presumido ou implícito, com base naquilo que normalmente acontece na situação. É uma ficção jurídica.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, inclusive o proprietário do imóvel, se a posse está legitimamente com terceiro. Cônjuge divorciado, empregado(a) que deixa amante penetrar em seu quarto, comete o crime em concurso de agentes (jurisprudência majoritária e Damásio, embora haja disvergência). Anterior tolerância da vítima não afasta o crime. Se praticado por funcionário público, no exercício de suas funções, incide a causa de aumento prevista no § 2º.

Sujeito passivo: Quem de direito é o morador ou o titular do direito de admissão ou exclusão de alguém na casa de que tem o domínio, posse ou detenção. É o dono, inquilino, possuidor legítimo, etc. Regime de subordinação: tratando-se de residência familiar, são titulares do direito de proibição (jus prohibendi) os pais, em igualdade de condições. Sua vontade prevalece sobre os outros moradores subordinados (filhos, serviçais ou terceiro). Os pais podem entrar no quarto dos filhos contra a vontade destes e os patrões podem entrar no quarto dos empregados exclusivamente para fins lícitos e morais.

Regime de igualdade: ocorre se os titulares do jus prohibendi são várias pessoas que habitam a mesma casa, em regime de igualdade, tais como "república" de estudantes, habitações coletivas, prédios de apartamentos, condomínios, etc. Marido e mulher estão em regime de igualdade. Neste caso, todos têm o direito de admissão e de exclusão, condicionado à vontade dos outros. Se há conflito entre os moradores, prevalece a proibição ("melius est conditio prohibendis"). Na ausência dos pais, o jus prohibendi é dos seus dependentes. Os filhos têm direito a excluir terceiros das dependências que lhes pertençam. Subordinados têm o mesmo direito em relação a terceiros. Havendo conflito entre a vontade dos pais e dos dependentes ou subordinados, prevalece a dos pais, se for para fins lícitos. O mesmo ocorre nas comunidades privadas, onde há superior e subordinados. Exs.: escolas, universida-des, pensionatos, ordens religiosas etc. O diretor ou reitor são titulares do direito de admissão ou exclusão. Servidor público, no exercício da função, que adentra a casa do cidadão, fora dos casos permitidos em lei alheia sem as formalidades legais (sem mandado ou fora de hora, excesso na execução do mandado ou diligência) comete o crime previsto no art. 150, § 2º, CP, que prevalece sobre o art. 3º, b, da Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade). O abuso de poder constitui circunstância elementar do crime. Exemplo: prisão, penhora, seqüestro etc.

Conceito de "casa". A própria lei, no § 4º dispõe:
I - qualquer compartimento habitado: apartamento, barraca, maloca etc. Não é necessário que os moradores estejam no local quando do fato. Exemplo: casa de campo. Ausência de moradores não significa casa desabitada.
lI - aposento ocupado de habitação coletiva: quarto do hotel, motel, pensão, cabines de navio etc.
III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade: o consultório médico, do dentista, o escritório do advogado etc. Esses estabelecimentos podem ter uma parte aberta ao público, como uma sala de recepção, em que as pessoas podem entrar sem restrição, que estará fora da proteção penal. Aquilo em que for destinado especificamente para o exercício da profissão estará dentro da disposição legal.

Repartição pública não é considerado casa. Dependências: são lugares que complementam a moradia, como o terraço, o quintal, a garagem, o pátio etc. Deve haver uma relação de necessidade com a vida doméstica; caso contrário, não será considerada dependência, como, por exemplo, pastagem ou campo de uma propriedade (poderá ser esbulho possessório - art. 161, § 1º, lI, CP). As dependências deverão estar cercadas, ou com visível obstáculo (muros, telas, correntes etc.), uma vez que não constitui crime transitar por um gramado não cercado.

Exclusão: § 5º: não se compreendem na expressão casa:
I - hospedaria, estalagem, ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo o aposento ocupado (inciso II, § 4º). Um hotel, enquanto aberto, não é passível de violação de domicílio, por exemplo, mas quando fechado, poderá ser. Casa de meretrício, enquanto aberta, não é objeto de crime, mas, quando sem atividade, poderá ser.
II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero. Bar não é casa, cassino clandestino também não.

Tipo subjetivo: dolo, vontade de ingressar ou permanecer na casa alheia, abrangendo a circunstância de ser contra a vontade do agente, ou então mediante clandestinidade ou astúcia. O agente deve saber que atua com o dissenso da vítima. Exclui-se, pois, o dolo eventual. Para a escola tradicional, há necessidade de dolo específico, consistente na contrariedade do dono ou de quem de direito, traduzida na expressão: "clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito".

Consumação e tentativa: o crime se consuma com a entrada efetiva do agente na casa alheia, ou seja, com a transposição do limite que separa o domicílio do exterior. Nessa modalidade, o delito é instantâneo, sendo possível a tentativa. Ocorrerá também a consumação pela permanência daquele que sabe que deve sair. Nessa modalidade, o crime é permanente, exigindo-se um tempo juridicamente relevante, admitindo-se, também, a tentativa. Em ambas as modalidades, é crime de mera conduta, inexigindo qualquer resultado danoso.

Qualificadoras:
(§ 1º): durante a noite, período com ausência de luz solar, intervalo entre o pôr-do-sol e o nascer-do-sol. O conceito de noite não se confunde com o de repouso noturno, que é mais restrito. Como o acréscimo da pena é justificado pela maior dificuldade de defesa do dono da casa durante a noite, não configura a qualificadora se estiver ocorrendo um baile ou reunião festiva.

2º) Crime cometido em lugar ermo: é o local deserto, desabitado, despovoado, afastado, de difícil acesso.

3º) Emprego de violência ou arma, ou quando cometido por duas ou mais pessoas. Trata-se de violência física, exercida contra pessoa ou coisa. A arma deve ser utilizada para intimidar e possibilitar a execução do crime. Quanto ao número de pessoas, basta a co-autoria de duas ou mais pessoas.

Exclusão da antijuridicidade (§ 3º):

Não constitui crime:
I - Entrar ou permanecer em casa alheia ou suas dependências, durante o dia, para efetivar prisão ou diligência, desde que seja com autorização judicial (CF art. 5º, XI). Não é crime a entrada ou permanência, em caso de desastre, ou para prestar socorro a alguém (CF art. 5º, XI), configurando estado de necessidade.
II - A qualquer hora do dia ou da noite, quando um crime está sendo praticado ou na iminência de o ser. Há legítima defesa de terceiro ou prisão em flagrante delito. A expressão abrange também a contravenção penal, por analogia in bonam partem.

3 comentários:

Taty Caiado disse...

Professor,

Há uma divergência doutrinária quanto a previsão do concurso de crimes nos casos de constrangimento ilegal, previsto no § 2º do art. 146 do CP: seria ele material ou formal?
A corrente se segue o concurso formal entende que há uma conduta única, que se consubstaciará em duas infrações penais: constrangimento ilegal e lesão corporal, por exemplo.
Já a outra corrente entende haver o concurso material,pois preceitua que em todos os casos em que o constrangimento ilegal é meio para a prática de outro crime praticado contra a vítima, ele será sempre absorvido.
No meu entender, entretanto, a corrente que prega a ocorrência de concurso material está equivocada, uma vez que o art. 146, § 2º, é bem claro ao dizer elas devem ser aplicadas cumulativamente.
O Sr. saberia me dizer o que a jurisprudência entende nesses casos?

Grata,

Tatyana

Professor George Leite disse...

Bem, Tatyana, o que predomina é o entendimento de que o crime fim absorve o crime meio. Portanto, no constrangimento ilegal com violência real há, de fato, um único crime, só que o legislador, por uma opção de política criminal, determinou a punição pelos dois crimes: § 2º, art. 146: "Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência". Sobre o assunto, recomendo ler Cezar Bitencourt, Tratado de Direito Penal, e Paulo Queiroz, Direito Penal, Parce Geral. São ótimos autores e proporcionam uma visão abrangente do fenômeno consuntivo. É isso!

Unknown disse...

Caro Prof.George Leite,
Sou um pesquisador da área de saúde tenho uma dúvida sobre se nas leis brasileiras está previsto que seria crime obrigar as pessoas a receberem tratamento através de uma substância química ativa (tóxica e supostamente medicinal e preventiva)contra a sua vontade e sem a devida informação (de várias fontes que não somente a oficial.Essa dúvida se refere especificamente a questão da fluoretação da água. Essa substância é altamente tóxica (mais do que o chumbo e não há unanimidade mundial sobre o seu uso).De qualquer maneira introduzir em uma pessoa qualquer substância que possa alterar sua fisiologia e pô-la em risco me parece algo intuitivamente inaceitável e essa não seria a funçao do Estado - usar a água - potável- para medicar! Obrigado.