sábado, 29 de agosto de 2009

Crimes de Perigo - artigos 130 a 136, CP

Objetivo: capacitar o aluno para distinguir, conceituar, correlacionar, tipificar e justificar os crimes de perigo, estabelecendo diferenças e correlações com os crimes de dano. 2) Distinguir perigo individual (arts. 132 a 136) e perigo comum (arts. 250 a 258).

Crime de dano e crime de perigo - conceito e distinção. DANO é a redução ou supressão do gozo de um bem juridicamente tutelado. PERIGO implica simplesmente a probabilidade de dano. Não há diferença ontológica entre dolo de dano e de perigo. No primeiro caso, o agente quer provocar um dano efetivo (previsibilidade mais vontade de atingir o resultado). No segundo, o fim visado é criar ou aceitar as condições que impliquem a efetiva probabilidade do dano.

Teoria Objetiva: representa o perigo como um estado de fato ou trecho da realidade.
Teoria Subjetiva: o perigo é meramente uma criação do espírito humano.
Teoria Mista: perigo é realidade objetiva aliada a um juízo mental. O raciocínio lógico e a experiência indicariam certas situações como potencialmente capazes de causar dano ao bem juridicamente tutelado.

Perigo abstrato x perigo concreto. O perigo abstrato é presumido pelo legislador, com base na experiência comum, como resultante natural de certas ações físicas. Perigo concreto ocorre quando a situação de perigo exige demonstração efetiva, ou seja exige que o perigo seja provado.

A doutrina considera certa intensidade do perigo para que se configure o crime. Alguns entendem que há o crime de perigo quando existe a mera possibilidade de dano, mas para a maioria, é necessária a probabilidade de dano.

Perigo comum e perigo individual. Perigo comum ocorre quando o agente coloca em risco simultaneamente um número indeterminado de pessoas ou bens (artigos 250 a 258, Título VIII, Capítulo I). O perigo individual se dá quando o perigo está direcionado a um indivíduo particularizado (artigos 130 a 137, Título I, Capítulo III).

Subsidiariedade: o crime de perigo é sempre subsidiário; ocorrendo dano, este prevalece, absorvendo o perigo.

Perigo de contágio venéreo. Art. 130. “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º.

Somente se procede mediante representação.

Conceito: Consiste em submeter alguém ao risco de contrair moléstia venérea por meio de relação sexual, tendo consciência e vontade dirigida à produção do resultado. Em suma, o agente não se priva da realização do ato sexual, mesmo sabendo, ou devendo saber, ser portador de doença venérea. Assim, ao praticá-lo, expõe o parceiro ou parceira ao risco do contágio.

Objeto jurídico: SAÚDE, isto é, o ser humano, do ponto de vista da sua incolumidade física ou fisiológica.

O que se deve entender por “moléstia venérea?” O art. 130 configura norma penal em branco cuja complementação deve ser buscada nos regulamentos de saúde pública, que arrolam, dentre outras, as seguintes doenças venéreas: sífilis, blenorragia, cancro mole ou cancro venéreo simples, linfogranuloma inguinal ou adenite inguinal superaguda. AIDS não é moléstia venérea, mas doença sexualmente transmissível (DST).

Sujeito ativo: homem ou mulher portador de moléstia venérea. O exercício da prostituição não exclui o crime, porque a saúde é bem indisponível, não se podendo cogitar de consentimento ou aceitação do risco da contaminação. A contaminação pelo cônjuge constitui grave violação do dever matrimonial (Lei 6.515/77, art. 5º) sendo motivo justo para o divórcio.

Elemento subjetivo. A doutrina identifica há três modalidades: a) dolo eventual: o agente sabe estar contaminado; b) culpa stricu sensu, quando o agente não tem certeza, mas deveria saber da contaminação; c) dolo direto de dano ele conhece a contaminação e efetivamente quer transmitir a doença. Em qualquer dessas espécies, fica claro que a ignorância da moléstia exclui o dolo.[1]

Tipo objetivo: a ação física se realiza mediante conjunção carnal ou qualquer dos sucedâneos da cópula normal (felação ou fellatio in ore), coito cunnilingus, pennilingus, annilingus, coito anal e coito inter femora).

Perguntas importantes:
É imprescindível contato físico direto entre os sujeitos? O beijo pode transmitir moléstia venérea? A conduta exige contato corporal direto entre os sujeitos do delito. Se a amante contagia o marido e este a mulher, a primeira responderá pelo contágio do segundo, e este pelo da terceira. Ocorrendo contágio por meio diverso do constato sexual, incide o do art. 131. O beijo voluptuoso pode servir de meio à transmissão de algumas doenças venéreas, tais como a sífilis.

Havendo efetiva transmissão da doença há crime de dano?
Resultando efetiva transmissão da moléstia venérea, tem-se a lesão corporal dolosa (Noronha); Para Damásio e Celso Delmanto há exaurimento do delito; Custódio da Silveira opta por lesão corporal dolosa ou culposa, conforme o animus do agente; Heleno Cláudio Fragoso afirma que se há apenas dolo de perigo e a moléstia é transmitida, o agente responde por simples culpa.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre com a conjunção carnal ou a prática libidinosa, sendo desnecessário efetivo contágio. Admite-se tentativa na modalidade dolosa, mais facilmente detectável na forma do § 1º (dolo direto de dano).

Ação penal. Somente se procede mediante representação da vítima (§ 2º). Trata-se de ação pública condicionada, pois depende necessariamente a manifestaçao expressa da vítima ou de quem a represente como condição de procedibilidade.

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131: “Praticar, com o fim de transmitir moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir contágio: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Conceito, ação física e elemento subjetivo. Distingue-se esta conduta do tipo anterior porque só admite modalidade dolosa, devendo necessariamente estar presente o dolo específico de contagiar (dolo de dano). Portanto, é, de fato, crime de dano e não de perigo. Abrange moléstias venéreas, quando transmitidas por outro meio fora o contato sexual direto, e outras enfermidades graves e contagiosas, tais como tuberculose, tifo, dengue, hanseníase, sarampo, febre amarela, hepatite, entre outras. A tipicidade configura outra hipótese de norma penal em branco, pois sua descrição exige a complementação por normas de saúde pública. O regulamento editado pelo Ministério da Saúde é que irá definir quais são as doenças venéreas, as doenças graves e ao doenças contagiosas, que exigem a notificação obrigatória do médico às secretarias estaduais de saúde. A transmissão pode ocorrer de forma direta (aperto de mão, beijo, aleitamento, etc.) ou indireta (por meio de utensílios, roupas, vasilhames, instrumentos, objetos, etc.). Nesse ponto, difere do art. 130, que só se configura com o contato direto. Se culposa a transmissão, há lesão ou homicídio culposo, conforme o caso.

Perigo genérico ou perigo à vida ou a saúde de outrem.
“Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave”.

Conceito. Forma genérica dos delitos do Capítulo IV, do Código Penal, que inclui todas as formas de perigo para a vida ou a saúde não enquadráveis em algum dos tipos precedentes. É delito eminentemente subsidiário, ou de subsidiariedade expressa. denotada pela redação da norma: “se o fato não constitui crime mais grave”.

Objeto jurídico. Vida e saúde da pessoa humana.

Sujeitos do delito. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.

Ação física. Trata-se de crime de ação livre, comissiva ou omissiva, no qual a criação do perigo pode ser proveniente de qualquer ação que coloque em risco a incolumidade física de alguém. O perigo é concreto, exigindo efetiva demonstração em cada caso concretamente apurável.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direito ou eventual, que exigem seja consciência e vontade de expor alguém a perigo ou simplesmente assumindo o risco proveniente do evento perigoso.

Causa de aumento de pena. O parágrafo único, introduzido pela Lei 9.777, de 29.12.98, acrescentou uma forma de agravação da pena cominada ao delito prevendo aumento da pena em um terço se a exposição a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em desacordo com as normas legais. Na verdade, a inspiração original do legislador era justamente conferir proteção aos retirantes da seca nordestina e aos bóias-frias, que eram costumeiramente contratados em suas regiões de origem e levados nos caminhões conhecidos como “pau-de-arara” para a “cidade grande” ou para realizarem a colheita em fazendas.
Mais recentemente, com o problema crônico do transporte de trabalhadores realizado em condições precárias de segurança, que não raro provocam tragédias de grandes proporções, houve por bem o legislador revigorar a norma, introduzindo uma causa especial de aumento de pena quando se caracteriza o transporte perigoso de pessoas realizado em desacordo com as normas legais previstas no Código de Trânsito Brasileiro.

Conflito aparente de normas.
Disparo de arma de fogo, art. 10, § 3º, Inciso III: "Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave. Pena: um a dois anos de detenção e multa.

Crimes de perigo no trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) criou vários tipos de perigo:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Abandono de incapaz. “Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”. Pena: detenção, de seis meses a três anos”.

Objeto jurídico. Especial proteção aos menores, anciãos, incapazes e todas as pessoas com menores possibilidades de se defender sozinhas dos perigos inerenes à vida social.

Sujeito ativo: todo aquele que tem o dever de zelar pela vítima. É, portanto, crime próprio, porque exige essa qualidade especial do agente, que é a relação de dependência com a vitima e o garante ou garantidor.
Esse dever de garantia pode ser decorrente de vários atores:
1) lei, quando cria obrigações impostas a determina relação jurídica, tais como ocorre nas relações de parentesco, na tutela ou curatela de incapazes, e outras;
2) do contrato ou convenção, decorre de uma obrigação contratual assumida por certas especiais como obrigações específicas: enfermeiros, médicos, babás, diretores de colégio, guias de excursão, e outras;
3) qualquer fato, lícito ou ilícito, capaz de gerar a dependência. Consistem em obrigação de cuida decorrente das situações normais da vida social, como o ato de recolher criança abandonada ou se perdeu dos pais, a condução de um incapaz em viagem, a carona dada a um desconhecido, convite a um amigo para caçada, pescaria ou para acampar em lugares perigosos ou simplesmente desconhecidos, e outras situações assemelhadas.

O que se deve entender por cuidado, guarda, vigilância ou autoridade?
Nelson Hungria afirmou o seguinte: “cuidado significa assistência a pessoas que, de regra, são capazes de valer a si mesmas, mas que, acidentalmente, venham a perder essa capacidade (Ex. o marido é obrigado a cuidar da esposa enferma e vice-versa). Guarda é a assistência a pessoas que não prescindem dela, e compreende, necessariamente, a vigilância. Essa pode ser alheia (ex. guia alpino vigia a segurança de seus companheiros de ascensão, mas não os tem sob sua guarda). Finalmente, a assistência decorrente da relação de autoridade é a inerente ao vínculo de poder de uma pessoa sob a outra, quer a potestas, seja de direito público, quer de direito privado”.

Sujeito passivo: pessoa incapacitada para enfrentar sozinha os riscos do abandono; quem não tem condições físicas ou psíquicas de cuidar de si. Não se trata de incapacidade civil, mas aquela decorrente da menoridade ou de outras circunstâncias que inabilitem a vítima, total ou parcialmente, temporária ou permanentemente, para defender-se, sozinha, do estado de abandono, tais como menores, doentes físicos e mentais, velhos, ébrios, entre outros. Eventual consentimento da vítima não exclui antijuridicidade ou culpabilidade, pois a vida e a saúde são indisponíveis.

Tipo objetivo. abandonar significa descuidar, largar, desassistir. Geralmente, é conduta omissiva (deixar de prestar cuidados indispensáveis), mas admite forma comissiva, como ocorre se a vítima é levada para local determinado para então ser colocada em situação de risco. É crime de perigo concreto.

Tipo subjetivo. Dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de abandonar a vítima, ciente dos riscos desse abandono e de que é responsável pela sua segurança da vítima. Portanto, não há tipicidade se o agente ficar à distância, espreitando o abandonado e zelando para que o perigo não acarrete probabilidade de dano. Caso deseje a morte ou lesão, haverá homicídio tentado, lesões corporais ou, eventualmente, infanticídio.

Formas qualificadas (pelo resultado - Preterdolo): se resulta lesão corporal grave ou morte (§§ 1º e 2º). Presente o dolo de dano, configura-se a lesão corporal grave ou o homicídio. A pena é aumentada em um terço se o abandono ocorrer em local ermo ou é praticado contra ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutelado ou curatelado (§ 3º, Incisos I e II).

Conflito aparente de normas. 1) há omissão de socorro (art. 135) quando inexistir relação de dependência; 2) há abandono de recém-nascido (art. 134) se o motivo da conduta for ocultar desonra própria; 3) cogita-se de homicídio ou lesões corporais, consumados ou tentados, se estiverem presentes o animus necandi ou nocendi; 4) Distingue-se, ainda, do crime de abandono material, (art. 244), porque, neste tipo, não se exige perigo para a vida ou a saúde da vítima, havendo apenas o descumprimento de um dever legal de prover o seu sustento.

Exposição ou abandono de recém-nascido
“art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Conceito. Constitui forma privilegiada em relação ao tipo do art. 133, pois, aqui, o sujeito ativo é a própria mãe, que age impelida pela necessidade de resguardar sua própria honradez, ocultando o nascimento de uma criança capaz de lhe proporcionar grave constrangimento no seu meio social, seja qual for a causa (gravidez extramonial, adulterina ou incestuosa, por exemplo).

Objetividade jurídica. A incolumidade pessoal e segurança do recém-nascido.

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, pois só quem é mãe pode cometê-lo ou, excepcionalmente, o pai (no caso de filho adulterino ou incestuoso), posição que é bastante controvertida. Contra ela se levantam, por exemplo, Euclides Custódio da Silveira, Celso Delmanto, Cezar Bitencourt. São a favor Magalhães Noronha, Mirabete e Damásio de Jesus.

Pergunta inquietante: a prostituta pode ser sujeito ativo do crime de abandono de recém-nascido? NÃO, porque, pela sua qualidade, o nascimento de um filho não acarreta qualquer constrangimento; não tendo, assim, caráter desonroso.

Sujeito Passivo. O recém nascido, havendo controvérsia quanto ao limite de tempo para o fim de considerar recém-nascido. Afirma Hungria: “o limite de tempo da noção de recém nascido é o momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da família”. Magalhães Noronha opina com a expressão ”poucos dias”. Flamínio Fávero considera até sete dias; Fragoso, trinta dias; Mirabete e Damásio, até a queda do cordão umbilical.

Tipo objetivo. Expor significa remover a vítima para local diverso daquele onde é assistido (Damásio); abandonar é omitir-se na prestação de assistência. Alguns entendem, como Delmanto, que se tratam de expressões sinônimas. Para Magalhães Noronha é redundância. Mirabete, mais pragmático, afirma que o legislador procurou apenas evitar dúvidas. Trata-se de crime de perigo concreto, exigindo demonstração de que a vítima ficou exposta a um perigo plausível, capaz de comprometer a saúde ou a vida, por lapso de tempo considerável.

Formas qualificadas. São as formas preterdolosas, nas quais decorre a morte ou lesão grave do recém-nascido(§§ 1º e 2º).

Tipo subjetivo: Vontade de expor ou abandonar recém-nascido, ciente da obrigação de garante e do perigo à sobrevivência da vítima. É dolo direto e específico, onde o fim especial de agir, que configura o chamado elemento normativo da conduta, e a ocultação da desonra própria. No concurso de terceiro, há co-autoria ou participação, pois as circunstâncias elementares do tipo são comunicáveis.

Consumação e tentativa. A consumação ocorre no momento do abandono, ou seja, quando a vítima fica efetivamente exposta ao perigo. É crime instantâneo, que só admite tentativa na forma comissiva.

Conflito aparente de normas. Homicídio e infanticídio: o primeiro exige o dolo de dano enquanto no abandono o dolo é de perigo. Inexistindo o elemento subjetivo do injusto (ocultação da desonra própria), não havendo relação de parentes (pai/mãe) ou não sendo recém-nascido, ocorre o abandono de incapaz. Também não se confunde com crimes contra a assistência familiar (art. 244 e 247), onde o abandono é moral, e não físico.

Omissão de socorro
“Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, socorro à autoridade competente. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”.

Conceito. Trata-se da obrigação moral de amparo e proteção aos mais fracos erigida à condição de dever legal. Na tipificação, estão previstas duas condutas: deixar de prestar assistência e não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.

Objetividade Jurídica. Vida e incolumidade física do indivíduo, mediante a tutela da sua segurança.

Sujeito ativo. Qualquer pessoa, existindo ou não vínculo jurídico anterior entre os sujeitos. Se há essa vinculação, configura-se um dos tipos anteriores. Normalmente, há proximidade entre autor e vítima, mas pode ocorrer a omissão se o agente estiver distante da vítima (médico que toma conhecimento de pessoa ferida, necessitando de cuidados, mas não presta assistência). O autor não pode ser responsável pela situação de perigo. Não comete o crime quem fere alguém, seja culposamente ou com animus necandi ou laedendi, deixando-o privado de socorro. No caso, responderá por lesão corporal ou homicídio, doloso ou culposo (aqui, a omissão qualifica o delito art. 121, § 4º e 129, § 7º).

Sujeito passivo. a) criança abandonada ou extraviada: é a vítima das figuras precedentes ou a criança que se perdeu dos pais ou responsáveis; b) pessoa inválida: quem por motivo de doença, deficiência, senilidade, embriaguez, etc., não tem forças para conjurar o perigo. c) pessoa ferida: alguém lesionado, física ou psiquicamente, mesmo sem gravidade. A vítima deve estar desamparada, incapacitada para valer-se a si mesma, necessitando de auxílio, sendo irrelevante seu consentimento.

Tipo objetivo. É crime omissivo puro, realizável por duas condutas: 1) deixar de prestar assistência, quando seja possível fazê-lo sem risco pessoal. O dever de assistência é limitado pela possibilidade e capacidade do sujeito ativo, apuráveis caso a caso; 2) não pedir socorro à autoridade pública. O agente não escolhe entre prestar socorro ou pedir auxílio: essas condutas são ditadas pelas circunstâncias. O pedido de socorro (ao delegado de polícia, pronto-socorro, corpo de bombeiros, etc.) só é admitido quando o agente, por si próprio, não tem condições de prestar socorro, por estar acima de sua capacidade. Não se exige ao sujeito arriscar sua vida ou integridade pessoal, podendo eventualmente configurar-se o estado de necessidade. É comum, nos delitos automobilísticos, alegar temor de linchamento como justificativa da omissão. Isso deve ser demonstrado e provado em cada caso. Se várias pessoas estiverem em condições socorrer, a ação de uma desobriga as demais.

Elemento subjetivo. Dolo de perigo, direto ou eventual. Está implícito o elemento subjetivo do tipo, que aé a intenção de se omitir, tendo consciência do perigo a que fica exposto o sujeito passivo em razão dessa omissão.

Consumação e tentativa. O crime se consuma no momento em que o agente deixou de agir quando devia, diante da situação de perigo para a vítima e das condições que permitiriam o socorro sem risco pessoal. A consumação é instantânea. O retorno do agente ao local, prestando o socorro exigido pela situação de perigo não elide a tipicidade. Sendo crime omissivo puro, não cabe tentativa.

Formas qualificadas. Dispõe o parágrafo único: “a pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte”.Para que a pena seja agravada, é necessário demonstrar que o resultado não ocorreria e o agente tivesse prestado o socorro. Evidenciado que tal resultado ocorreria independentemente da diligência empregada pelo autor, não se aplica a qualificadora. É bastante discutida a omissão quando a vítima falece instantaneamente após um atropelamento.

Conflito aparente. Havendo dever jurídico do agente em cuidar da vítima, poderá ocorrer outro crime, como o homicídio, as lesões corporais culposas, o abandono de incapaz, etc.

Maus tratos. “Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, ensino tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena – detenção, de 02 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 2º. Se resulta morte: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. §3º. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos.”

Conceito. Trata-se de delito de ação múltipla, pois há várias maneiras de cometê-lo: privação de alimentos ou de cuidados, sujeição a trabalho excessivo ou abuso dos meios de correção e disciplina. Algumas dessas formas não prescindem de habitualidade para sua configuração.

Objetividade Jurídica. Tal como nos artigos precedentes, tutela-se a incolumidade física da pessoa humana (vida e saúde), que não deve ficar exposta a perigo. O ECA criou duas figuras penais muito parecidas, além de criar a figura qualificada do § 3º. (arts. 232 e 233, da Lei 8.069 –ECA).

Sujeito Ativo. Trata-se de crime próprio, que só pode ser cometido por parte de quem tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima. É mister a existência de prévia relação jurídica de natureza subordinante entre agente e vítima, podendo essa relação ser natureza civil ou administrativa. Exs. Pais, tutores, curadores, professores, patrões enfermeiras, carcereiros, etc. Essa subordinação deve estar ligada a atividades educativas, tratamento ou custódia.

Sujeito Passivo. Quem está sob autoridade, guarda ou vigilância do autor: filhos, pupilos ou curatelados, discípulos, empregados, enfermos, presos, etc. A mulher não pode ser vítima desse crime, uma vez que esta sempre estará subordinada ao agente, para fins de educação (atividade docente para aperfeiçoar a capacidade individual), ensino (no sentido restrito do termo, ou seja, educação básica), tratamento (cuidados médicos ou responsabilidade pela subsistência da vítima) ou custódia (detenção física da vítima, autorizada na lei).

Tipo objetivo. Crime de ação múltipla, admitindo várias formas de cometimento. Maus tratos são condutas que expõem a vida e a saúde da vítima através de uma das formas previstas no tipo, a saber:
a) privação de alimentos ou cuidados indispensáveis. Exige reiteração de conduta;
b) sujeição à trabalho excessivo ou inadequado;
c) abuso dos meios de correção ou disciplina

Tipo Subjetivo. Exclusivamente doloso, exige a vontade deliberada e consciente de praticar qualquer uma das ações descritas no tipo. Não há vontade de lesionar, mas apenas o dolo de perigo, consubstanciado na consciência do agente de estar expondo sua vítima à probabilidade concreta de um dano físico ou psicológico.

Consumação e Tentativa. Consuma-se o crime quando presente a situação de perigo. Trata-se de perigo concreto, que deve ser aferido em cada caso. Algumas modalidades exigem reiteração de conduta; outras, basta uma só ação para configurar o crime. Admite-se a tentativa nas formas comissivas.

Excludente de criminalidade. Estado de necessidade: a jurisprudência tem admitido a exclusão de crime quando os pais humildes necessitam trabalhar, deixando filhos amarrados ou presos dentro de casa.

Formas Qualificadas: §§ 1º e 2º.

Causa especial de aumento de pena: § 3º.

[1]NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1996. v 2, p 85.

14 comentários:

Cathy in Deutschland! disse...

Caro Professor George,

infelizmente não pude comparecer a aula na segunda - feira (31.08), gostaria de saber se esse foi o material utilizado na aula.

O Blog está cada dia melhor!!

Parabéns!

Catharina Taquary

Professor George Leite disse...

Senti sua falta. Esse foi o material usado na aula e que ainda será usado nas duas próximas. Obrigado pelo elogio. É um incentivo importante.

Unknown disse...

Professor George,
devo concordar com a nossa querida representante, Catharina, e dizer que o blog está cada vez melhor. Agradeço pela consideração e atenção que tem conosco, seus alunos.
Espero superar as expectativas quanto aos resultados, mas claro e principalmente, quanto ao real aprendizado.

Grande abraço.
Priscila Mendes

acmf disse...

Professor George, não sou aluna da sua turma, mas estava dando uma olhada e impressionou-me a clareza, didática, transparência nos esclarecimentos e nos vários exemplos que cita!!! Sinceramente, é uma pena não estar entre os seus alunos...Com certeza o magistério é uma dádiva da qual o senhor também é possuidor..PARABÉNS!!! Ana Claudia Fiuza (4ºD UNICEUB NOTURNO)

Professor George Leite disse...

Olá, ACMF (Antônio Carlos Magalhães Filho?). Só agora li seu comentário. Meu ego agradece penhoradamente o elogio feito. É um incentivo para continuar. Apareça sempre que quiser e desculpe a demora da resposta. Um abraço, George?

Unknown disse...

Professortenho duas duvidas 1) se o agente está com Aids e usa preservativo, há crime? E se a camisinha estoura?
2)CARLOS não tem Aids e FLAVIO tem. CARLOS pede a FLAVIO para recolher amostra de seu sangue numa seringa e ele concorda. CARLOS então aplica o sangue contaminado em PEDRO. E aí?
Ouve consentimento ?

tila disse...

Professor preciso de um trabalho completo de Crimes de pergo e crime de dano juntamentes com o cnceito,bem juridico,conduta tipica,sujeito ativo passivo,elementos subjetivos,consumação e tentaviva, meu e-mail sandra-godoy@bol.com.br

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá! Sou estudante de direito da UEM e tive o prazer de poder ler essa aula no blog! Muito boa!
Gostaria apenas de acrescentar, se o senhor me permitir, que o art. 233 do ECA, ao qual o senhor faz referência, foi revogado pela lei 9.455/97 que dispõe sobre os crimes de tortura.
Além disso, em acordo com os demais comentários, gostaria de parabenizá-lo pelo blog.

Raul Belúcio.

tila disse...

Muito bom seu blog, sou estudante de direito em São Paulo/UNIP, preciso de uma matéria ou pesquisa sobre " dos crimes contra A DIGNIDADE SEXUAL " ARTS 213 AO 234-b "DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA" ats 235 ao 249, se puder me ajudar, fica muito grata,
O Blog está cada dia melhor!!!

Parabens,

Abraço

Unknown disse...

Nossa querido..essa matéria me ajudou mtu em um trabalho..agradeço

Unknown disse...

Boa tarde!

Prof. George ,estou no 5o periodo de direito, estou urgentemente precisando de uma dissertação sobre os artigos 130 a 137 do cod. penal.
Será possível ajudar-me?

Desde já agradeço.

motonáutica disse...

Boa noite professor, sou aluna de direito 5º semestre, de toda postagem somente o que não entendi foi a respeito do sujeito passivo do artigo 136, CP, com relação a mulher. Poderia explicar?? Obrigada fico no aguardo de um contato. Marisa Pummer.

CLAUDIA disse...

Boa tarde, no caso de uma pessoa ser portadora de uma doença sexualmente transmissível e fatal, e esta doença vir a causar o óbito de sua cônjuge, os sucessores desta poderão representar perante o Ministério Público para que se instaure o inquérito penal (art. 130, art. 131 e até mesmo o homicídio qualificado?)
Gostaria que o Sr. esclarecesse essa matéria porque sou civilista e, em meu ponto de vista, entendo que poderia esse "cidadão homicida" ser condenado por este crime.